Blog de Jardim

Foto de Jardim

sou somente um bardo

sou somente um bardo,
órfão da perdida esperança
vagando pelas ruas
imundas de salvador,
descrente da própria andança.

sou somente um bardo
escrevendo a minha sorte
na pauta do improvável acaso,
em linhas tortas,
ausentes escolha e norte.

sou somente um bardo errante
sem parada, sem me comover,
leve como o vento que uiva.
mais do que os olhos enxergam
e palavras possam descrever.

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Foto de Jardim

te busco em todas as outras

te busco em todas as outras
no áspero, sinuoso rio dos abraços.
às vezes vejo tuas mãos
outras são teus pelos, outras
teus lábios iguais ao teu sexo.
a vida explode
por todas as frestas da cidade:
pernas, bocas, seios, bundas.
sou apenas carne e osso.

como era teu nome?
helena, vera
sara, daniela?

perdeu-se na desordem
de tantas noites e tantos dias,
perdeu-se na enxurrada
dos acontecimentos.

que importa um nome
a esta hora da noite?
que importa um nome
sob este teto
diante dos copos e talheres
e lâmpadas e torneiras?

quanta coisa se perde
nesta vida,
este deslumbramento que me conduz
por avenidas e vaginas
a me consumir
em noites subterrâneas.

caminhavas comigo
por esquinas de assombro,
teu fogo perpétuo
aguardando que o dia viesse
enquanto nos perdíamos
em sorrisos, em carícias,
em conversas, no amor
feito sem pressa.

desvelo, promessas,
e os carinhos mais doces
e mais devassos a explodir
no centro de tuas coxas,
no profundo de tua noite ávida.

gosto de orelha e de vagina
em minha boca,
língua no cu,
nos pentelhos.
sua maciez chegava
voando por sobre o instante,
por sobre o mar, por sobre o fumo,
sobre a primavera,
quando colocavas
tuas mãos em meu peito
como duas asas.
quando tuas mãos tocavam as minhas
se detinham
como se muito antes
já as tivessem tocado,
como se antes de aqui estar
já houvessem chegado.

nesta cama, selvagem e doce,
eras entre o prazer e o sonho,
entre a fúria e a calma.
ainda quando não existias
eu já te buscava,
buscava em tua boca
o sabor de tua íntima vida.

longe de ti
sigo pulsando como um relógio
entre automóveis e motos ,
entre outdoors,
nos shoppings,
nos bares,
pulsando no meio da noite.
sob o sol, sob a chuva,
debaixo das roupas,
debaixo da pele.

que importa um nome?
posso te chamar nuvem.
posso te chamar horizonte.

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penetraste

penetraste meus vãos misteriosos,
minha alma de mulher.
ocupaste meus espaços,
provaste do meu mel,
do meu corpo te embriagaste.
bebeste em minha fonte,
percorreste minhas formas,
minhas fendas, minhas frestas,
meus recôncavos,
me fizeste te desejar.

conheces agora o objeto
de meus suspiros,
conheces a causa
de minha doce e oculta desesperança.
conheces meus sonhos,
que perpetuo mesmo acordada,
conheces minha voz
naquilo o que calo.
conheces meu sorriso
onde se escondem minhas lágrimas.

perdoa-me por não me amares.

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provo teu negro amor

provo teu negro amor,
teus lábios amargos
na escuridão de nosso beijo.
o espelho reflete nossos corpos nus
e o negrume que nos acompanha.

púbis clara,
lua rara,
nossa roupas
pelo chão
da sala.

teus olhos imóveis
são pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.
uma mulher vazia de sonhos.

tua beleza,
que me fez te desejar
acabou por sublimar
as outras tantas
que já desejei
como se todas as outras
tivessem em ti se consolidado.

rosa
escarlate
banhada
no orvalho
das minhas lágrimas.
rosa a me ferir
com seus espinhos.

tua voz
branca,
descrente,
como uma anêmona
entoa num cântico profano
o desalento deste amor
numa longa e triste canção.
o espelho refletindo nossos sexos
e a triste constatação de teu olhar imóvel
como pedras preciosas
a comprar o vazio da cama.

no escuro do quarto
sinto o calor de tuas mãos
e da urgência com que gozas.
a te chupar,
a lambuzar meu rosto
com o teu suco.

a sentir os teus dedos
que me acariciam
cada um de meus sentidos entorpecidos
como o despertar de um sonho
que insiste em não terminar.

diante de teus lábios amargos
me torno tua sombra,
um cão fiel,
um obsceno fruto, teu mel
a tornar amarga a minha vida.

atmosfera escura,
lua obtusa,
acredito em tua mentira
mais uma vez: sou tua.

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de ti trago memórias

de ti trago memórias
que o tempo cuidou em preservar,
voos de ícaros que ainda amanhecem
no orvalho da minha sede
pela febre do teu corpo
que em mim nunca se extinguiu.

minhas mãos ainda te buscam
ainda que há muito já não te toquem.
perco-me em minha insensatez
colhendo alegorias, ilusões,
acorrentado à tua miragem,
quimera de deslumbramento
dos meus infinitos enganos.
à noite, no espelho é o teu rosto que vejo.

são para ti as rubras rosas que trago,
é por ti que pulsa o sangue em minhas veias,
é teu este meu grito mudo.
são para os teus peitos
este toque dos meus dedos.

ecos da tua voz me trazem
tuas palavras agora antigas.
te ouço ainda mesmo que ausente
e me sopras ventos de nostalgia
que vagam pelas esquinas dos meus dias.

o hálito morno de tua respiração
me invade o fôlego
e me torno o avesso do meu avesso.
restaram pequenas palavras
que me sussurravas com tua voz muda
quando me pedias que te ouvisse,
quando me pedias que te tocasse,
quando me pedias:
me beija, me fode.

te trago dentro de mim,
te fiz parte de mim,
caminhas ao lado dos meus passos,
pisando comigo este mesmo chão
e me conduzes ao longo do dia
para algum vago sitio,
para algum improvável lugar.

caminhamos juntos pela mesma estrada
mas há muito já não há mais estrada,
somente o rastro que nossas feridas deixaram.
somente um abismo profundo e negro.
um vazio, implorando aos gritos
que algo o preencha.

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eternos dias

foram eternos dias a distanciar nossas vidas.
nossos corpos, separados, recriaram seus instintos,
circunspectos, mesclados a um proscênio fosco
atuamos como se nunca houvéssemos nos encontrado,
nos tocado, nos provado, nos revelado,
determinados, sob um céu ordinário.

foram eternos dias a desamarrar nossos destinos,
a silenciar nossos gritos em nossa cama.
e a cada noite eu os ouvia, nesta cama agora vazia,
nossos fôlegos sob esta mesma lua.
tua saliva e tua secreção a corromper todos os hinos
onde agora só restam demônios.

foram eternos dias apagando nossos nomes,
o céu de tua boca, abrigo do falo insistente,
agora apenas um vácuo inconstante.
tantos foram os nós nunca desfeitos,
éramos anjos tentando saciar nossas fomes,
tentando iludir a dor persistente.

foram eternos dias que escreveram nossa história,
a tua voz persiste ainda na noite escura.
a tua falta ocupa o espaço do ambiente,
doce ausência em minha memória,
amargo sabor neste dia que se inicia.
nossas vitórias, nossas derrotas são um perjúrio.

foram eternos dias que fecharam minhas feridas,
estancaram o sangue à minha revelia
nas avenidas do meu infortúnio,
entre os clamores dos meus dias.
bardo errante sem rumo
imerso em delírios, pecados e loucura.

foram eternos dias a consolidar nossos receios
entre os credos de tua púbis sob esta sombra desnuda
nossa intimidade subverteu nossa lua
renegando a inexistente paz de nossa teia,
do que passou a se chamar presente,
em nossas faces somente a negrura.

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a casa está vazia

a casa está vazia, estar só se torna um compromisso. o teu cheiro, porém, continua no ar, o mesmo ar ordinário que respiro e que traz o aroma de quando estavas aqui. a falta que me fazes, porém, é um prêmio. é um presente que custei a aceitar e que me libertou do senso comum, do ofício de fabricar ilusões, da necessidade de acreditar em contos de fadas, de protagonizar ficções baratas, da dose diária de mediocridade.

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se me falta o chão em que piso

se me falta o chão em que piso, busco no próximo passo a convicção de firmeza e se o agora é inconsistente me volto para o futuro que desconheço. carrego comigo o peso de outras vidas. junto forças que não tenho para fazer do meu rastejar minha andança nesta árida estrada. trago no peito a fé dos que acreditam no implausível e aguardo a redenção adormecida. foi preciso te perder e que me perdesses para aprender o significado da palavra deserto, para encontrar o itinerário que precisa ser refeito, para entender que tudo passa, tudo volta, tudo sempre está, para que conhecesse quem realmente somos, quem não éramos, para descobrir que existiam outras mãos e em cada uma delas outras linhas do destino. em cada lábio que encontro recolho uma hóstia.

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nos acostumamos

nos acostumamos com aquilo que esperávamos sem nos importarmos quando viria ou mesmo se viria. cultivamos flores sem perfume, um amor contido que continuávamos aguardando nascer. ao acordarmos do sonho, assistimos a esse vir a ser sem a certeza de vir, um anseio inacabado que enfim se dá por concluído.

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em minha boca calada

em minha boca calada guardo palavras mortas e assisto um mundo que silencia turvo e triste, nada mais o que dizer diante desta imobilidade. a incômoda certeza de não mais estar vivo apesar das evidências. só tu permaneces, ainda que ausente. atravessas as horas como se o tempo fosse para ti um brinquedo, como se fôssemos eternos, como se fosse possível esperar o teu retorno e que novamente caminhássemos juntos. estranha liberdade que me torna insensível ao azul do céu, que esconde meus alicerces ruídos, minha casa incendiada, minha rota abortada. um pouco mais e se terá ido o teu olhar, mais um pouco e também a tua pele. em seguida o vento levará o teu cheiro, assim como já levou minhas ambições. escrever é lembrar quem fomos, é aceitar quem jamais seremos.

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