Anos

Foto de Gideon

A Arte de Gabriela

Estou envolto em um mundo de pensamentos. Aqueles que nos assaltam parecendo ninjas insurgentes da escuridão. Livros, um após o outro, um junto ao outro, um por cima do outro. Estava lendo Exegese Bíblica, um livro maravilhoso e profundo sobre interpretação bíblica, mais ainda, sobre a interpretação do Cristianismo. De repente após o almoço, caminhando incertamente pelo Centro do meu maravilhoso Rio de Janeiro com a intenção de fazer a digestão do almoço, encaminhei-me para a charmosa Livraria Imperial, no Paço Imperial. Entrei e vaguei de um lado para o outro observando os livros sem pretensão e disposição financeira de comprar qualquer um deles, os quais eu olhava displicentemente. Como sempre faço, caminhei para a estante de Artes para ver alguma coisa sobre música e pintura. Deparei-me, então, com dois imensos, pesados e envelhecidos volumes de Arte em perfeito estado de conservação. Dois "tomos" com pinturas famosas desde a Renascença até a publicação dos livros, que se deu em 1932. O texto, com aquele português antigo e regra de acentuação diferentes da atual, me cativou profundamente. As pinturas são coladas nas páginas conforme aqueles álbuns de fotografias da época de nossos avós. Meus olhos brilharam. Me apressei e comprei os dois volumes. No caminho para o caixa, casualmente olhei para o lado e vi um outro livro: "Eu, mulher da vida" de Gabriela Silva leite. Alcancei-o instintivamente e folheei-o rapidamente. Resolvi também comprá-lo. Cheguei ao caixa, paguei-os e os enfiei em duas sacolas grandes. Saí saí e apressei os passos de volta para o trabalho.

Imediatamente quando cheguei em casa, comecei a ler os livros. Ora, eu iniciei este escrito falando dos diferentes livros lidos ao mesmo tempo, lembram-se! Pois é, assuntos contradizentes, conflitantes, etc. Mas não é assim a nossa imaginação, o nosso pensamento? Náo é tudo misturado mesmo? Nossos pensamentos parecem preemptivos e compartilhados. Folheei com atenção e curiosidade os livros de Arte. Realmente muito bonitos. As obras são fotografias autênticas, ou seja algumas tiradas pelo autor e outras reunidas e organizadas por ele diretamente de onde estavam expostas. O livro inicia com obras do século XIII. Para cada pintura o autor descreve as situações que as envolvem etc. Vou usá-los para decorar a minha sala e o meu quarto no futuro. Ficarão expostos, abertos ao acaso... Bem, mas o que me impressionou muitíssimo mesmo foi a Gabriela. Isso mesmo. O tal livro que veio como de brinde junto aos de Arte. Trata-se de uma prostituta que se tornou líder de todas as outras prostituas. Ela hoje deve ter uns 54 anos, mas na época em que escreveu o livro tinha 40. O livro foi editado em 1992. Devorei-o em 3 dias, dando descanso para o de Exegese.

(...) O Lula estava no palanque com o Gabeira, que fez questão que eu
falasse...
Não tive dúvida quando me deram a palavra. Contei a história,
dizendo mais ou menos assim: "Ao conhecer pessoalmente o cara que eu via de
longe falando em São Bernardo do Campo, como sindicalista, a sensação que
eu tive foi uma baita raiva porque ele me molhou de suor quando me abraçou. É
que isso me fazia lembrar dos homens na zona, no verão, e uma coisa que eu
detestava era quando eles iam transar com o corpo suado e ficavam pingando o
suor em cima de mim.
Senti que o povo se assustou um pouco, os
políticos mais ainda ( a não ser o Gabeira, que dava um sorrisinho
cúmplice), aí acrescentei: "Depois que a raiva passou, eu fiquei pensando.
Então, ele é um homem igual aos outros, porque ele também sua. É igual aos
homens que iam na zona e transavam comigo nas tardes de
verão."

Continua ela:

Quando desci do palanque, tinha um
monte de gente chorando, querendo me abraçar. Era gente comum, que eu nunca
havia visto na vida. Mas vieram também meus companheiros católicos do PT, (...),
esbravejando comigo, que aquilo não era discurso para se fazer em comício. (...)
Quando foi à noite, estava ainda bastante confusa, achando que no fundo tinha
feito mesmo algo errado. Envergonhada do meu discurso, fui à Churrascaria
Majórica, no centro de Friburgo.
Ainda na porta, o Lula me chamou meio de
lado, e me disse com aquele vozeirão rouco:
“Gabriela, eu queria fazer uma
perguntinha a você. Minha mulher sempre me disse para eu usar desodorante, mas
eu não gosto. Ela diz que eu transpiro demais e que meu suor fede. E hoje você
falou disso no seu discurso. Me fala com sinceridade, não precisa mentir: eu
estava fedendo muito naquele dia? Foi por isso que você ficou com
raiva?”

Imaginem que este livro foi escrito muito antes do Lula ganhar as eleições presidenciais.
O mais interessante do livro é uma coisa que ficou clara para mim. A Gabriela era prostituta e não queria deixar de sê-la. As pessoas e instituições que tentaram ajudá-la o faziam com a intenção de que ela deixasse a sua vida indigna. Ela sempre afirmou que gostava de ser prostituta e mesmo assim ser útil para a sociedade e para as outras pessoas que precisassem dela. Por aí vai o livro.

É uma visão realmente chocante. Confesso que me chocou também. São os nossos preconceitos que são revolucionados com situações que ela conta no livro. Achei bom ler este livro. De fato fez-me ver um pouco o outro lado da moeda, apesar de achar que existem formas de vida muito mais saudáveis e que nos fazem infinitamente mais felizes que a que ela optou, ou seja, a prostituição. A felicidade da família é algo inigualável.
Impossível não associar o estilo de vida de Gabriela com uma obra de Arte. Seria a Arte da Vida? Os lugares que ela freqüentou, as pessoas que ela conheceu em situações e momentos singulares parecem todos tons das tintas de uma palheta de aquarela. Eu aqui, lendo o seu livro e paralelamente pintando na imaginação um quadro!

No início achei Gabriela meio grosseira, mas a medida em que fui passando as páginas fui descobrindo uma erudição espontânea e, talvez, inconsciente. A erudição de Gabriela é especial por não permitir que a sua narrativa tome forma clássica e torne-se comum. Ela pincela, vez outra, doses de “grosseria” na linguagem coloquial que nos faz lembrar a sua origem e forma de vida. Isso é deliberado e me fascinou na leitura, pela sutileza e inteligência que ela demonstrou.

A Arte, pelo menos no meu ponto de vista, não tem de ser necessariamente materializada. Tem de ser sentida. Que seja por uma só pessoa, e isto, de alguma forma é uma característica da Arte, de nos dar a liberdade de subjetivamente vivê-la, experimentá-la. O livro de Gabriela fechado, é como uma partitura na estante. Lido, torna-se uma música executada, com todas as suas componentes, melodia, harmonia e ritmo. Ou seja, a sua Arte somente é sentida quando entramos em seu mundo, quando a ouvimos, quando nos chocamos com a sua firmeza em ser chamada de prostituta. Talvez pelo seu deboche da sociedade careta e hipócrita, como ela repetidamente declara.. Desesperadamente procuro referências nas formas de Arte existentes, como a música, a pintura, para decifrar Gabriela. Mas deveria? Ou seria a prostituição a própria Arte de Gabriela? Gabriela não é prostituta. Gabriela é artista! Não, com certeza, ela gritaria ao ler essa abominação à sua maneira de viver:

- Mais um idiota tentando me redimir para o seu mundo!

E assim segue Gabriela, pintando na vida a arte da prostituição, e com isto me chocando e fazendo-me mais sensível à Arte, a mãe de todas as Artes. A vida!.

Enfim, vou voltar para o meu livro de Exegese que por sua vez está também mexendo profundamente com a minha maneira de encarar o Cristianismo.

É a leitura, os livros, transformando-nos. Viva aos livros! Viva às pessoas!

Foto de Gideon

O Theatro da minha vida

Domingo, 2 de outubro de 2005

Na sexta-feira passei em frente ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia. Estava iluminado. Era noite. Tinha um enorme cartaz, que já estava lá há tempo anunciando espetáculos a preço popular.
Meu coração pulava pela ânsia da arte. Tenho fome de arte, todo o tipo dela. A cada dia reconheço que deveria ter estudado Arte, não Economia e Informática. Às vezes penso que ainda há tempo para estudá-la. Tavez entrar em uma faculdade de Artes, enfim. Aliás, estou amadurecendo a idéia de fazer faculdade de Violino. Tenho estudado arduamente, diariamente. O cartaz do Theatro Municipal estava chamativo. Pensei rápido: Meus filhos, vou trazê-los aqui!.

Cheguei em casa e liguei para a Idailza avisando-a de que no Domingo eu levaria o Jean ao Theatro Municipal. Ela passou o telefone para ele e então ouvi um “Oba!” feliz.
Liguei para a Irani, irmã de Idailza e que é mãe da Priscila e de duas gêmeas de 8 anos, lindas: Paloma e Paola.
No domingo levantei-me às 6:30. Ageitei-me e camihei para apanhar o Jean, Paloma e Paola. A Paola é apaixonada por Violino. Diz ela que quer aprender este instrumento ainda na infância. Elas duas já estavam agitadas quando eu
e o Jean chegamos lá. Enfiei todo mundo no Pálio, passamos na Nete, outra irmã de Idailza, para convidar a Dayane, sua filhinha, mas ela não pode ir.

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro é lindo por fora e por dentro. Deslubrante mesmo. As crianças quase ficaram com o pescoço duro de tanto olharem para o alto. A Paola disse:

- Tio, aqui está cheio de mulheres peladas.

Onze horas em ponto a orquestra estava a postos e entrou o maestro. Para a minha surpresa agradável era o grande e conhecidíssimo Isaac Karabtchevsky. Meu coração disparou a mil por hora. Confesso uma coisa aqui. Também foi a primeira vez em que entrei no Theatro Municipal. Desde garoto sonhava ir lá. Sempre ouvia meus colegas na banda de música falarem sobre o Municipal. Quando cresci e passava em frente a este monumento, sempre via a classe rica descendo de seus carros com seus chofés e então concocluía que aquilo não seria para mim.

Ainda menino quando eu solava o Prelúdio La Traviata de Verdi no clarinete junto com a orquestra me imaginava em uma grande orquestra no Teatro Municipal com o corpo de balé se movimentando ao som da música que eu tocava. Bem, isto ficou somente na imaginação mesmo, pois jamais toquei no Municipal.

Enfim, voltando ao espetáculo. O maestro, após a verificação da afinação feita pelo spala, dirigiu-se ao público de forma muito simpática e passou a explicar situações de ensaios etc. Pois é, o espetáculo seria iniciado, como foi, com o Hino Nacional. Isaac Karabtchevsky fez uma brincadeira com o público lançando um desafio para ver quem conseguiria cantar o Hino Nacional inteiro sem errar. Deu chance para três pessoas mas ninguém conseguiu. Todos rimos muito e finalmente, ao seu comando, todos se levantaram para cantarem o nosso Hino Nacional. Foi um momento de muita emoção. A orquestra iniciou a apresentação e pude sentir aquele espírito da arte passeando pelas galerias do Theatro. Todos em silencio com a atenção direcionada para o palco. A Paola fez carinha de choro de emoção e todos rimos um pouco dela. Ainda bem que não notaram a minha cara de choro também, pois não resisto a concertos sem chorar. Claro que disfarço o quanto posso, mas nem sempre consigo. Enfim, o espetáculo acabou e voltamos todos felizes para a casa. Antes, tive de passar no Mc Donald com as crianças. Enfim, visitei o Theatro Municipal do Rio de Janeiro que tanto visitou as minhas ânsias musicais.

Todos rimos. Ela se referia aos afrescos e vitrais com os painéis do Theatro. Chegamos cedo e compramos quatro ingressos na galeria nobre. Entramos na nave do Theatro, nos sentamos e ficamos observando os músicos afinarem os seus instrumentos. O Theatro estava lotado. As crianças não paravam de olhar os vitriais e as obras de arte.

Foto de Paulo Gondim

Janelas da alma

JANELAS DA ALMA
Paulo Gondim
15/03/2008

Eu me vejo preso no meu pensamento
Enclausurado nos meus dias de tormento
Envolto em névoa fria, fosca, espessa
Que me expõe as entranhas, nesse padecer
Do lamentar diário, desse calvário
Que é minha vida sem você

E tento escapar pelas janelas da alma
Dou voltas pelo quarto, perco a calma
Olho mais uma vez a rua, a rua escura
A mesma rua que me viu crescer
Que já não é a mesma, envelheceu
Como eu, que perdi anos, sem te ver

E continuo preso, inerte, sem saída
Na expiação de minha culpa tão doída
Escapar dessa agonia é o que me importa
Antes que se torne em mim obsessão
Que já se avizinha, que já se prenuncia
Como castigo de viver só esta paixão

E aí, mais uma vez, nas janelas da alma
Olho para fora e vejo amarelada palma
Do velho coqueiro em frente à porta
Nele, vejo tuas mãos, agitando os dedos
Como sonho, que vagamente me conforta
E que ouve, calado, meus segredos

Foto de Gideon

A mulher do Metrô

Dias desses consegui viajar sentado no metrô. Abri o livro do Wittgeinstein, e comecei a ler.

Em alguma estação à frente entrou uma mulher pobre, morena, cabelos molhados provavelmente do banho da manhã, meio ondulados e soltos. Parte caindo pela frente dos ombros, parte por trás. Braços musculosos e as veias das mãos bem salientes sugerindo trabalho árduo. O semblante era rígido. Não percebi qualquer vestígio de maquiagem. Lábios soltos e frequentemente mordidos pelos dentes inferiores. O vestido era simples com flores estampadas de baixa qualidade. O formato dos seios era sugerido pela falta de sutiã, contudo nada indecente. A barriga um pouco maior que o normal para uma pessoa magra. Diria que era meio barrigudinha, mesmo assim ligeiramente sexy.

O vestido descia até próximo os joelhos. Não tinha qualquer enfeite. Os pés rugosos com as veias também à mostra. Os dedos enfileirados, mas indecentemente separados do maior pela tira da sandália rosa. Unhas dos pés pintadas de gelo, única vaidade que notei. Uma bolsa de plástico aparentando falso couro estava pendurada pela alça, bem acomodada em seu ombro esquerdo, que por sua vez estava à mostra.

Parei de ler Wittgeinstein para observá-la atentamente. Ela estava recostada entre o final do banco à minha frente, do outro lado do vagão, e a beira da porta do trem. O ombro cuidava em manter o resto do corpo um pouco distanciado da parede do trem. Devia ter não mais que vinte e sete anos. Bonita mulher, rosto bem desenhado, mas sem brilho e expressão. Fiquei tentando adivinhar a sua profissão. Julguei que fosse uma empregada doméstica, mas pela hora, quase nove da manhã, percebi que não devia ser.

Enfim, fiquei imaginando aquele corpo por baixo da roupa. A sua barriguinha protuberante formando um colo acolhedor. Como disse, os seios bem formados e provavelmente um umbigo discreto.. Vez outra, pelo balançar do trem, ela mudava a posição dos pés me chamando a atenção os seus dedos enfileirados sobre a sandália. O trem estava cheio e tive dificuldade em continuar reparando-a. Talvez isto tenha-me feito forçar o olhar, e ela percebeu-me. Me olhou naturalmente. Apertou mais uma vez os lábios e desviou logo o olhar. Outra vez trocou a posição do pé de apoio e passou a mão direita sobre o cabelo. Aproveitou, ainda, para arrumar a alça da bolsa, que teimava em escorregar de seu ombro esquerdo.
Voltei a leitura de meu livro. Quando tornei olhar para ela, não mais a encontrei. Descera em alguma estação. Fiquei meio frustrado. Me ajeitei no banco, curvei um pouco mais a cabeça e voltei à minha leitura.

Bem, não a perdi, claro. A descrevi aqui.

Foto de Gideon

A donzela no Arco dos Teles

O Arco dos Teles é mágico. Um corredor de ruas estreitas ladeadas por casas de danças, bares e restaurantes, quase tudo preservado ainda no estilo do tempo do império. Foi ali, que no início do século passado, houve a Revolta da Vacina. Dizem também que Carmem Miranda morou em um destes sobrados. O charme é sentar-se em mesas postas no meio da rua. As pessoas, neste ambiente, despojam-se de seus afazeres do trabalho, e entregam-se ao relax sugerido por este ambiente

Isaque, grande amigo, irmãozão. A saudade sempre aperta o peito quando lembro dele. O conheci em Macaé/RJ. Moisés me apresentou-o. Casou-se com Marina. Linda e delicada menina. Convidaram-me para tocar em seu casamento. Fomos para Belo Horizonte e toquei em um belo sábado pela manhã. Lindo casamento.
Pois bem, Moisés me ligou dizendo que o Isaque estaria hoje aqui no Rio. Saí às 18:45 e corri para encontrá-los no Arco dos Teles, como combinado.

Lugar sedutor. Muita gente e mulheres bonitas. Parece que tem um cheiro carioca no ar. Dá aquela sensação de alegria por estar participando, pisando, andando em lugar carioca tão instigante. Quando cheguei, eles já estavam lá há mais de quarenta minutos.

Sentei-me e logo percebi a dupla ao lado. Uma donzela aparentando uns dezenove anos de idade. Usava uma saia rebaixada, com a barriga à mostra, aliás como é o costume hoje em dia na cidade. Cabelos soltos, rosto lindo e delicado. Segurava um cigarro nos dedos da mão direita. Sentava displicentemente com os pés apoiados nos reforços da cadeira. A saia estava jogada sobre as coxas grossas, que balançava continuamente. Os joelhos abrindo e fechando fazia com que a saia fugisse insistentemente para cima deixando à mostra um par de coxas morenas claras, lisas e torneadas. O corpo estava meio jogado para a frente sobre o copo de cerveja, que estava pela metade. Tragava o cigarro e expulsava a fumaça para o lado com uma ligeira virada de rosto, sem contudo, perder de vista a sua amiga sentada a sua frente. Os jatos de fumaça eram embranquecidos e iluminados pela lâmpada de um poste preservado à séculos.

Eu e os amigos, contagiados com essa sedução displicente, estávamos quase em êxtase. Eu, Mosa e Isaque estávamos assim, relaxados e felizes. Falávamos gesticulando, rindo muito. Para sermos ouvidos um pelo outro fazíamos isto quase aos berros. A donzela continuava ali na mesa ao lado esbanjando sedução e beleza e nos ignorando solenemente. Em dado momento ela levantou-se e, juntamente com a amiga, e foi para dentro de um bar jogar sinuca. Este bar, com as portas em arco, ficava bem á nossa frente. Ficamos, os três, observando-as no desempenho do jogo. Um de nós, logo incentivado pelos demais, resolveu enviar flores para elas. Tivemos este ímpeto ao avistarmos um vendedor de flores, um jovem negro, alto, aparentando ter vinte e cinco anos de idade. Provavelmente um morador das favelas dos morros adjacentes. Um descendente de escravo. Compramos as rosas por três reais e pedimos para o simpático vendedor as entregarem. Ficamos aguardando e observando atentos a reação das donzelas. Nada aconteceu. Elas nem esboçaram um sorriso, pequeno que fosse. Quase ao mesmo tempo avistamos uma menininha também vendendo flores. Compramos outro ramo de flores e a enviamos com um cartão. Nada, elas não deram a mínima. Depois de muito conversarmos e rirmos, fomos embora. Já era nove e meia da noite. Ainda conversamos um pouco mais antes de nos separarmos próximo ao ponto das barcas, na Praça XV. Voltei feliz, mas com saudade de meus amigos. Isaque fora para a casa de Moisés, em Niterói. Saudades, muitas saudades. Momentos mágicos, estes.

Foto de Sonia Delsin

PÁRA, TEMPO

PÁRA, TEMPO

Se eu pudesse ordenar ao tempo.
Ó, se eu pudesse ordenar!
Daria ordens ao tempo.
Para parar.
Aquele momento eu queria imortalizar.
Morreu meu melhor momento?
Flutuou no vento?
Tudo vira lembrança, pensamento?
Não. Engano meu.
Não morreu.
Volto a ele.
Meu coração dispara.
Dispara.
Se aquieta.
Quase pára.
Por aquele momento anos eu esperei.
E para a vida inteira guardei.
Quando a saudade muito grande ficar a ele vou voltar.
E ele conseguirá a fornalha da minha alma alimentar.

Foto de Gideon

A Solidão e o Celular

Bip do celular. A Solidão tomou um susto.

- Afinal, quem ousa invadir a minha guarda. Pensou ela, rapidamente
Outro bip no celular. Ele, o celular, está lá, sempre bem perto de mim. Não sei pra quê. Não toca nunca. Vazio, feio, sem graça e sem capa. Bateria já meio fraca, mas está lá. Ganhei de presente de amigo que queria me achar. Reclamava que nunca me encontrava. A bem da verdade, ele já estava na estrada de ida, mas era amigo de coração.. Cruzou por mim e se tornou amigo, mas o seu destino era lá pro outro lado… bom amigo.

Bip novamente. Outro susto na Solidão. Ameaço atender o celular. Ela fica ali, olhando e tentando ouvir. Má educada. Que coisa!. Apanho o celular. Ela se apressa em chamar sua irmã, a Decepção. Esta, cheia de liberdade, arranca-o de minha mão.

Ah sim, deixa-me contar. A Decepção é irmã mais velha da Solidão. No início eu a estranhava. Tinha cara feia e jeito de debochada. Não ia muito com a sua cara. Mas, enfim, a Solidão, minha velha e boa companheira de longos anos, queria, que queria me apresentá-la. Enfim, um dia cheguei cansado e desesperado. Lá estavam elas. A Solidão ao lado da Decepção me esperando para dar-lhes um pouquinho de atenção. Disse-me ela, mais tarde, que desde cedo estava ansiosa para a minha chegada. Já vinha insistindo com a sua irmã, há tempo para vir morar conosco.

Neste dia, lembro bem, eu estava me despedindo de coisas que tanto acreditava. Que tanto me fizeram feliz. E que, agora, ruíam, acabavam e transformariam profundamente a minha rotina. Meu coração estava ferido. Não tanto como hoje, mas era o início de uma ferida profunda...

Bem, mas como eu ia dizendo, sentei-me no sofá, como sempre fazia quando chegava em casa pra acolher a Solidão। Levantei os olhos, assim meio sem vontade de cumprimentá-las. Não queria mesmo me tornar íntimo da Decepção. A Solidão me bastava e já fora difícil aceitá-la na minha vida. Já havíamos conversado longamente sobre este assunto. Estava vivendo um momento que parecia feliz, e na minha vida não teria espaço para mais ninguém. A Solidão, sim, esta eu já me convencera que jamais me deixaria apesar de várias tentativas frustradas no passado. Ela é muito insistente, e parece um carrapato. Quando gruda não quer sair nunca mais, mas pra dizer a verdade, uma grande companheira.

Eu estava muito pra baixo naquele dia, somente queria o aconchego da Solidão. Queria estender-me no sofá, com a roupa do trabalho mesmo. Pegar uma coberta bem pesada, ligar a Tv, abraçar-me com a minha Solidão e ficar ali, esquentando da tarde fria, quieto, durante horas e horas, até dá fome e ter que levantar pra comer alguma coisa…

Mas lá estavam as duas. Não tive escolha, estendi a mão direita, torcendo para que o peso do meu antebraço logo fizesse a minha mão escorregar do cumprimento indesejado, mas a danada da Solidão, deu pulinhos de alegria e também agarrou a minha mão. Agora as duas sacudiam o meu braço como adolescentes brincalhonas.

Enfim, a Decepção estava devidamente apresentada a mim. Besteira minha, essa indisposição de fazer novos amigos. A Decepção se mostraria, mais tarde, uma grande amiga e companheira. Ciumenta que só ela, mas enfim, amigona do peito. Agora eu teria de acomodar as duas. Imaginem, duas criaturas na minha vida. Bem, mas dizem que pra tudo na vida tem um jeito. E tem mesmo. Hoje já não a estranho mais. Até me acostumei com elas. E quando elas não estão por perto sinto muita falta.

Bem, mas voltando para a história do celular, que eu já ia esquecendo, ameacei resgatá-lo das mãos da Decepção. Mas aí desisti e pedi, com um gesto no rosto, para ela me ajudar. Ela, feliz e com cara de vencedora e debochada, que insiste em fazer nessas situações, agora já super íntima, claro, riu no canto da boca.
Sabe aquela cara que dá ódio quando alguém a faz para a gente? Pois é, ela é especialista nisto. Estendeu o celular para eu ver. Olhei. Não consegui distinguir bem quem era.Ela, com aquela postura desengonçada de debochada. Pezinho esquerdo batendo no chão. Braço esticado na minha direção, e com o celular em riste. A outra mão na altura da cintura, ria, mas não muito, ria com aquela carinha de debochada mesmo, como eu disse. Ela já tinha olhado, meio de soslaio, para ver quem era, ciumenta do jeito que sempre foi..

Como eu disse, não consegui enxergar bem, mas fingi que não me importava em saber quem era, e continuei fazendo a minha partitura no Encore. Ela, chata e insistente do jeito que sempre foi e sempre será, levantou mais ainda o celular para eu ver, virando o rosto ligeiramente para o lado...

A Solidão se intrometeu, esticou o rosto e apressou-se em me dizer com a voz pausada e de deboche.

- É a Te-le-mar… Men-sa-gem da Te-le-mar…

Era mesmo a Telemar. Sabe aquelas mensagens chatas que ela insiste em nos enviar, como se tivéssemos tempo e dinheiro para ficar entrando em seus joguinhos idiotas, feitos por programadores idiotas, e concebidos por analistas mal pagos da Telemar… idiotas também!!?.

Calma, calma, calma e calma… É isso, ufa! Sempre que a Telemar subestima a minha inteligência e importância eu fico assim. Irritado.

Espera aí! Eu disse Inteligência? Importância? Não, não disse, ainda bem, só pensei. Senão as duas, iriam me chavecar a tarde inteira. Bem, mas enfim, era a Telemar! Fingi que não via a Solidão ali, parada, pertinho de mim e esperando alguma reação.. Mas a danada, sei lá como, conseguiu perceber a minha cara irritada, e fez questão de dizer em voz alta para eu ouvir…

- Você não tem amigos, seu bobo… quem poderia ser?

Ameacei, com raiva, sem olhá-la, dar-lhe um peteleco.! Ela deu dois pulinhos para trás, se juntou à Decepção, que já tinha se afastado para recolocar o celular no lugar, e ficaram repetindo…

- Você não tem amigos, seu bobo..
- Você não tem amigos, seu bobo..

Fiquei em silêncio, fingindo não ligar. Com um sorriso sem graça, e sem graxa, no canto da boca. Teclava o “j” repetidamente na partitura do Encore, meio esperando elas se irem para continuar o meu trabalho.
Veio-me a lembrança um quase amigo que fizera, dias desses. Deu vontade contar para elas, só para matá-las de raiva.…

Até conversei uns minutos com ele, lembrei. E, p-e-l-o c-e-l-u-l-a-r… Deu vontade falar assim, soletrando mesmo. Para deixá-las morrendo de raiva…
Acho que elas perceberam que eu não estava bem, e então a Solidão se aproximou devagarinho, com medo de outro peteleco, e.chegou bem pertinho. A Decepção também veio, me olhando pelos ombros da Solidão. É sempre assim, quando uma se aproxima, a outra acha que tem o direito de participar, e para piorar tudo, sempre combinam as coisas contra mim. Ufa, que raiva que tenho delas, nunca se desentendem por nada. Enfim, a Solidão me perguntou..

- O que foi Gimago, você quer dizer alguma coisa e não está conseguindo?
Então eu disse. Tomei coragem e contei..

- Vocês são umas idiotas mesmo. Dia desses quase fiz um amigo, suas bobas...

Elas recuaram olhando uma para a outra sem acreditarem. A Decepção ainda com aquela cara de deboche, e a Solidão com a cara de espanto exagerada que sempre faz.. Perguntaram-me, quase em coro…

- Quando foi isso. Qual o nome dele?

Eu, relutei, gaguejei, mas tinha de dizer, senão iria passar por mentiroso. Disse meio que enrolando as palavras, para elas não entenderem…

- Foi um tal de E-n-g-a-n-o…

Elas ficaram sem ação e em silêncio. A Solidão quebrou o gelo, olhou para os lados, e disse para a Decepção..

- Acho bom a gente deixar ele um pouco só…

E se foram, não para muito longe, pois sabem que eu preciso delas em todos os momentos.

Foto de Sirlei Passolongo

Eu só sei te olhar

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Tenho tanto pra dizer
Mas quando se aproxima
minha boca emudece
as palavras
viram adrenalina
e eu só sei te olhar

Então, o chão se abre
embaixo dos meus pés
em meu peito
o amor não cabe
e mais uma vez...
Deixo tudo pra depois
eu só sei te olhar...

E não falo dos planos
que fiz pra nós dois
que todos esses anos
o teu nome eu chamo
antes de dormir...

Com um riso amarelo
vejo você partir...
E sem dizer que te quero
eu só sei te olhar.

(Sirlei L. Passolongo)

Direitos Reservados a Autora

.

Foto de Carmen Vervloet

UM POUCO DA HISTÓRIA DO ES - Convento da Penha - 450 anos

Convento da Penha – 450 anos

Nos idos do mês de maio de 1535 fundeava na enseada da futura Vila Velha, até então terra dos índios goitacazes, a Caravela Glória trazendo o luso donatário Vasco Fernandes Coutinho que vinha tomar posse da Capitania, à qual deu o nome de Espírito Santo.
Encontrou aqui, beleza natural estonteante que deixou a todos sem fôlego! Muitos eram os pontos fortes desta então Capitania, mas dou destaque àqueles que sempre extasiam meus olhos e enchem de luz e paz o meu coração capixaba: A verde Mata Atlântica, com sua rica flora e fauna, palco de orquestra composta pelas mais variadas espécies de pássaros; Suas montanhas esculturais criadas pela mão da grande artista natureza, pedras que fecundam o próprio chão; E o seu mar pincelado com o verde liquefeito de suas matas e o azul liquefeito de seu céu que juntos lhe dão a cor verde-azul que se expande numa extensão infinita onde meus olhos pousam cheios de amor e admiração!
A esperança que dominava o nosso donatário ao desembarcar nas praias deste Novo Mundo foi aos poucos se apagando em razão das lutas entre os colonos e os índios.Vasco Fernandes Coutinho mandou vir de Portugal alguns padres missionários para que pacificassem os nativos.
No ano de 1558 chegou aqui o Missionário Espanhol Frei Pedro Palácios que trouxe na sua bagagem um belíssimo painel de Nossa Senhora da Penha, o mesmo que ainda se encontra no Convento da Penha. Procurou abrigo numa caverna no pé da montanha para onde levou seus pertences e também o painel de Nossa Senhora. Quando no dia seguinte acordado pelo gorjeio dos pássaros e o marulhar das ondas do mar que no seu vai e vem levavam e traziam de volta os seus sonhos de missionário depositando-os sob a forma de branca espuma sobre a areia morena, percebeu que o Painel de Nossa Senhora havia desaparecido. Preocupado saiu à procura do mesmo, no que foi ajudado por outros colonos e depois de longa e dolorosa busca, exauridos, arranhados, machucados, encontraram-no a 154 metros de altitude, bem no cume da montanha entre duas frondosas e verdes palmeiras. Levaram-no de volta para a caverna e no dia seguinte, segundo a lenda, lá estava Ela outra vez de volta ao cume da montanha, entre as mesmas duas verdes e frondosas palmeiras. Este fato aconteceu por três vezes, até que Frei Pedro Palácios percebendo que Nossa Senhora queria ter uma melhor visão sobre seus filhos para que pudesse protegê-los de todas as vicissitudes e perigos, atendendo a vontade da Santa, construiu a sua capela no lugar escolhido por Ela. Ele próprio, velho e alquebrado, mas homem de muita fé carregou lá para o píncaro os primeiros materiais para a construção da ermida. Realizado seu grande sonho, a poder de muito trabalho e esforço a capela foi inaugurada com toda a pompa merecida no dia primeiro de maio de 1970. Nesta mesma data, levado por Anjos, aos sons dos sinos da sua pequena capela partiu feliz o velho e santo missionário para sua morada eterna.
Hoje o Santuário da Penha abrange uma área de 632.226m2. No seu interior abriga séculos e séculos de história, de fé e esperança, de devoção e coragem e é sem dúvida considerado o maior atrativo turístico e religioso do Estado do Espírito Santo. Fica localizado no Município de Vila Velha, integrante da região da grande Vitória, Capital do Estado. A faixa de Mata Atlântica existente no Santuário da Penha é o mais importante pulmão verde da cidade de Vila Velha e abriga uma variada flora e fauna. A festa da Penha é considerada hoje a terceira maior festa religiosa do País.
Nas noites de lua cheia, guardo ainda a imagem que tatuei na minha alma de criança. O manto de Nossa Senhora entrelaçado junto ao manto do luar estendido sobre a nossa cidade protegendo-a de todas as ameaças e perigos envolvendo-nos nos seus braços de Mãe do Céu.

Carmen Vervloet

Foto de NiKKo

Reflexão

Meu coração andou por terras áridas e solitárias,
em jardins de múltiplas flores como louco, a procurar.
Em meio a cume de montanhas voei numa incessante busca
sem contudo saber ao certo o que queria encontrar.

Confesso que nessa ânsia de encontrar algo especial,
mil vezes iludida me entreguei a fantasias e amores.
Criei mundos especiais e dourados castelos,
que depois de algum tempo ruiu deixando só dores.

Nessas minhas caminhadas eu sempre procurei
em cada rosto um olhar que em sonhos me perseguia.
E em todas as bocas um gosto especial eu desejava
mas em todas, sempre faltava algo que eu não definia.

Mas eu fui seguindo minha estrada, sem descanso.
Confesso que tive amores que me deram muita emoção,
Que vivi momentos de extremo carinho com muitas,
instantes maravilhosos que guardo como doce recordação.

E os anos foram marcando em compasso lento a minha procura
mas a falta de alguma coisa dentro de mim, jamais aplacou.
E mesmo com meus cabelos marcados pela neve do tempo
a inquietude vivida na minha juventude nunca suplantou.

Hoje amadurecida pela longa procura, feita em vão.
aprendi que o que me falta jamais vou encontrar.
Pois sempre procurei nas pessoas um sonho irreal
uma alma gêmea que pudesse me completar.

Porém as pessoas não são perfeitas como sonhamos.
Nem nós conseguimos a outra parte, inteiramente satisfazer.
Por isso buscamos sempre no horizonte, o nosso ideal
e deixamos muitas vezes, pela ilusão, a verdade de ver.

Pois embora com defeitos, tropeços e imperfeições
muitas vezes ao nosso lado temos quem deveríamos amar.
Mas por estar ao nosso lado sempre disponível,
acabamos feitos tolos, a esse amor, desprezar.

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