Barriga

Foto de Carmen Vervloet

Lobos Famintos

Lobos Famintos

O grito da fome
Escapa do estômago da periferia...
E soa por vários palácios
Sem eco...
Ensimesmado, Maria,
Trêmula... Doente...
Barriga oca... Roncando... Vazia...
Num semáforo qualquer...
Estende a mão fria
E suplica em nome de Deus,
Uma esmola!...
Trocados para enganar
A fome de seus filhos
Cujo teto é o céu...
A escola é a vida...
E a dor é seu sempre...
Vivendo da sorte, sem norte...
Ludibriando a morte!
Sem futuro... Sem esperança...
O palácio onde mora
Aquele que se fez Rei
Pela mão do povo...
Covil de oportunistas... Alpinistas...
Oferece apenas migalhas...
O pão fermentado com os nossos impostos...
Assado no forno da corrupção...
Nunca sai das mesmas mãos...
Elas o detêm engordando suas contas
Em paraísos fiscais... Devolver jamais!
E gulosos que são, tem um refrão:
Quero mais... Quero mais... Quero mais...
Insaciáveis insanos! Vis macrômanos!
Os palácios unem-se em blocos
De opulentas alegorias
E cegam o povo
Com suas tendenciosas fantasias...
Jogam algumas migalhas
Nas panelas vazias dos pobres
E se fingem nobres!...
Unem-se guardando o mesmo tesouro...
Barras de ouro!...
E se protegem
Na sua desenfreada loucura de poder!...
Não mais vêem a dura realidade
Dos homens da periferia
Dizimados pela ambição,
De quem entregou ao Diabo o coração!...
Mas em algum momento,
No meio de tanta revolta,
Haverá uma reviravolta!
O reverso da medalha!...
A coroa cairá das cabeças dos falsos reis
Que por sua vez, deixarão cair às máscaras...
Mostrando as verdadeiras caras!
E eles se envenenarão com o próprio veneno!
Ou engolirão uns aos outros!
Lobos famintos!...

Carmen Vervloet

Foto de Maria Goreti

Geração, Gestação, Ilusão.

O sangue estanca. Seios enrijecem.
Dia após dia, mês após mês.
Barriga não cresce.
O tão sonhado filho não vem.

Enjôos, desejos, lágrimas.
Em seu ventre filho não tem.
Será que há algo errado?
O filho sonhado não foi gerado.

O filho que jamais sugará os seus seios
É o filho que literalmente não pariu,
Porém cujas dores do parto sentiu,
Não uma, nem duas, tampouco três vezes.
Mas muitas... muitas... muitas vezes!
E jamais deixará de sentir!

©Maria Goreti Rocha
Vila Velha/ES - 10/03/06

Foto de Edmilson_jp

Quero tua boca...

Quero tua boca em minha boca,
no meu pescoço descendo de prazer,
Quero tua boca beijando meu peito,
na minha barriga me delirando de prazer,
Quero tua boca beijando meu pau,
chupando todo o comprimento me deixando gemer,
Quero em tua boca gozar meu prazer,
ver a gala descer,
Quero tua boca,a se quero...

Foto de Carolina Salcides

Carolina Salcides

..:UM POUCO SOBRE MIM:..

* Nasci em: 6 de setembro de 1980, em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, onde moro até hoje.
* Virginiana típica: sou muito perfeccionista, detalhista e exigente....
* Busco: o melhor e dou o meu melhor para os outros. O melhor para mim é o equilíbrio (corpo, mente, alma), a sintonia com o universo, com nossa verdade, nossa essência. Se você está nesse caminho, tudo vem. A felicidade está dentro da gente, e o amor e o tudo... Não há o que buscar, há o que plantar para colher... E as sementes estão dentro de nós mesmos!
* Não existe: para mim, não existe meio termo, meio amar, meio viver. É preciso ser completa, ser inteira. Até existe, mas em “meias pessoas”. Escrevo para tocar a outra metade, a metade adormecida de cada um. Pretensão? Não. Sentimento, vontade! Despertar para a vida, para a arte, para a magia, para o amor. Para a inteireza!
* Preciso: de arte, beleza, liberdade – Diariamente!
* Não fico um dia sem: criar. Escrevo, desenho, pinto, crio, recrio, decoro a casa, fotografo...
* Gosto de: noites de luas cheias, silêncio da madrugada, borboletas, fadas, cheiro de terra molhada. De pôr-do-sol, crepúsculos mágicos, fogueiras, rodas, tambores, flauta, violão. Dança do ventre, dança cigana. De sentir o vento nos cabelos, a grama sob os pés, frio na barriga, calor no coração.
* Amo: tulipas!

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..:COMECEI A ESCREVER:..
Sou filha do escritor Paulo Ricardo Salcides, falecido em 2001, então acho que escrever já estava no sangue, mas só fui descobrir isso em 2000, quando comecei meus primeiros rabiscos... E não parei mais. No meu perfil, que o site Absoluta publicou, digo porque eu escrevo: http://www.absoluta-online.com.br/conteudo_vivencias_expressao_carolina.html

..:PUBLICAÇÕES:..
* Só em agosto de 2005 resolvi tirar minhas poesias da gaveta e publicá-las, na internet, num blog que eu mesma criei, chamado Fadas e Poesias (duas coisas que gosto muito).
* Publiquei também em alguns sites para escritores como: "Site de poesias", "Recanto das Letras", "Garganta da Serpente", "Poetas Del Mundo" e "Blocos Online".
* Em março de 2006 fui convidada pela Andross Editora a participar de uma antologia poética com vários autores.
Publiquei então, minha primeira poesia, "Mais uma Vez" no livro Mosaico- Antologia Poética e, em julho desse mesmo ano, publiquei "Sutilmente Te Digo" na coletânea Caleidoscópio (da mesma editora).
* Em julho de 2006 comecei a escrever prosas...
* Em setembro de 2007, lancei meu primeiro livro solo: O VÔO DA BORBOLETA - NAS FASES DA LUA, pela CBJE (Câmara Brasileira de Jovens Escritores – RJ), com minhas melhores poesias.

"Um vôo poético pelas diferentes faces da alma feminina
em sintonia com as fases da lua."

* Já estou escrevendo meu segundo livro, de prosas, sem título ainda.

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..:INSPIRAÇÃO:..
Cada um escreve o que vai na sua alma, como vê a vida e sente as coisas...
Eu exponho o que há de melhor em mim. Escrevo o que minha alma grita (isso pode ser bom ou ruim)... Mas ela não grita só por mim! São muitas mulheres, vivências, amores, dores, sonhos, desejos. São sentimentos universais...

“Sou um ser contido no mundo e contenho o mundo dentro de mim."

Escrevo muito sobre deusas, fadas, bruxas, ciganas... Todos os arquétipos femininos. Gosto do universo da magia, da beleza e encantamento... Do sutil, do místico, do verdadeiro.
Fadas e borboletas: criaturinhas leves, livres e belas que estão sempre presentes na minha vida, alegrando, inspirando e trazendo muitas coisas boas.

Inspiração? Minha felicidade me inspira. Meu amor, minha fé, minha vida.

Obrigada pelo carinho, Carolina Salcides

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Foto de nathaliabrant

PERNAS BAMBAS

Sei lá o que me aconteceu
Sinto-me diferente
Livre, leve e solta.
Sinto-me em liberdade
Uma liberdade que jamais experimentei.

Sinto uma coisa diferente.
Um cala frio passando sobre minhas espinhas,
Uma mão tremendo sem saber o que fazer,
Um pensamento que voa longe,
Um frio na barriga,
Uma vontade jamais sentida de estar junto a pessoa querida.

Só de pensar minhas pernas ficam bambas,
E novamente sinto um frio percorrendo todo meu corpo.
Já não consigo mais dormir direito,
Pois meus pensamentos não me deixam.

É, eu tive coragem de falar
Que foi sim, pelo meu amigo que fui me apaixonar.
E posso te falar que ele fez acontecer,
E agora valer a pena eu irei fazer!!!

Nathalia Brant Malta Salgueiro
06 de junho de 2007

Foto de Rodolfo Inpiração

O que sinto por ti

Cheguei sem nenhum interesse em você, sem nem te notar, mas o tempo foi passando e eu começei a te notar, a te querer, mas a timidez de me expressar não deixou e eu deixei para amanhã.

Não da mais pra esconder... Não é tarde de mais pra correr atrás e me expressar. É tanta coisa que eu quero te falar... Para te conquistar.

Quando eu notei essa notícia... Senti um frio na barriga... Acho que me apaixonei. Mesmo sem ter alguma chance de te ter... E por que?

Fico te admirando de longe...Vendo-te passar... Vou ser eu mesmo.... Eu vou ficar me torturando dentro de mim se não dizer... Fico muito triste em te ver passar e não ter coragem de dizer o que eu sinto por você.

Já pensei de tudo. Para poder te conquistar. Mas me faltou coragem. Muito medo de errar. Não sei o que você pensa. Mas espero que você sinta o mesmo que eu. E mesmo que não sinta, sempre estarei lá te esperando...

Mesmo sem nem te conhecer direito... É por isso que estou escrevendo isso. Quero te conhecer. Saber quem é você...

Então eu só posso dizer... Que é isso oque eu sinto por você!

Foto de Xandi Puglia

Sonhando ou Acordado

Paixao, Alegria, A barriga gela
E medo de estar sonhando
Acordo entao procurando
Se acordei dela ou com ela

Estou acordado o dia revela
Depois do bom dia, um beijo molhado
Numa mare terna de olho fechado
Me descubro sonhando um sonho com ela

Foto de Rodolfo Inpiração

O que eu sinto...

Cheguei sem nenhum interesse em você, sem nem te notar, mas o tempo foi passando e eu começei a te notar, a te querer, mas a timidez de me expressar não deixou e eu deixei para amanhã. Não da mais pra esconder... Não é tarde de mais pra correr atrás e me expressar. É tanta coisa que eu quero te falar... Para te conquistar. Quando eu notei essa notícia... Senti um frio na barriga... Acho que me apaixonei. Mesmo sem ter alguma chance de te ter... E por que? Fico te admirando de longe...Vendo-te passar... Vou ser eu mesmo.... Eu vou ficar me torturando dentro de mim se não dizer... Fico muito triste em te ver passar e não ter coragem de dizer o que eu sinto por você. Já pensei de tudo. Para poder te conquistar. Mas me faltou coragem. Muito medo de errar. Não sei o que você pensa. Mas espero que você sinta o mesmo que eu. E mesmo que não sinta, sempre estarei lá te esperando... Mesmo sem nem te conhecer direito... É por isso que estou escrevendo isso. Quero te conhecer. Saber quem é você....

Foto de Lou Poulit

Trovão e o Sabiá Sereno

Aos Leitores e Amigos.

Antes de qualquer palavra, quero dizer que será um prazer partilhar com vocês os meus textos e que sou grato ao Poemas de Amor pela confiança que em mim depositaram.

Há alguns anos venho escrevendo contos. Mas vinha fazendo isso como quem armazena sementes, ou seja, sem permitir que elas brotassem antes da hora. Quando esse Site me ofereceu o blog, quis crer que não mais se justificava guardá-los só para mim. Até porque, talvez a partir de agora eu possa ter percepção de como eles tocarão outras subjetividades, diferentes da minha. Alguns serão postados tal como foram criados, enquanto que outros serão adaptados para que se tornem mais congruentes com os objetivos do Site, que não eram prioritários para a formação original da identidade do escritor.

Espero que gostem já desse primeiro conto, pelo menos tanto quanto eu. Mas como não vejo no conjunto deles, ainda, uma maturidade completa, antecipo que conhecer o que despertam nos leitores será motivo de gratidão da minha parte.

Abraços a todos e, desde já, muito obrigado pela gentil acolhida.

LOU POULIT
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Sentada sob alpendre da mansão colonial, sua fortaleza de toda a vida, Sinhá havia se perdido em seus pensamentos. O dia havia se despedido há pouco, na apoteose fugaz de um céu prestante de cores e texturas, que de tudo o que pode tentou fazer para merecer a atenção da moça. Nem a sinfonia da passarada fez efeito. Tudo em vão, restaram as estrelas que nem sequer se aventuravam. A passarada se calou para dar a vez aos grilos, sapos e outros barulhentos notívagos. Sinhá revirava mecanicamente os fartos rendados da saia à sua volta, pois de fato não estava ali.

Então, passos arrastados vindos de dentro precipitaram-na do etéreo, de volta ao corpinho magoado pela posição pouco cômoda. De tão surpresa e assustada, não teve coragem de se virar. E esperou apenas, como seu sangue esperava dentro das veias. Aos poucos uma luz tênue, mas capaz de expulsar soberanamente a escuridão, se aproximou. Depois mais um pouco. A moça temeu que se aproximasse ainda mais e explodiu em gritos nervosos: Saia já daqui! O que quer de mim, demônio? Eu não lhe chamei aqui!

A pouca distância um caboclo mulato de aspecto impressionante, pele muito morena e os olhos claríssimos de uma onça enterrados no rosto embrutecido, como pequenas gemas raras no emboço úmido da terra adubada pelos séculos. O velho Sereno segurava a candeia, tentando compreender, tão próxima, a moça que à distância vira crescer, como flor única naquelas glebas. Durante parcos segundos, Sinhá não conseguiu balbuciar uma palavra. Tentava decifrar como aquela figura estranha havia invadido seu silêncio, que significado poderia ter dentro dele e se seria perigoso para as coisas ricas que guardava em segredo. Porém, achando que o silêncio era ainda mais insuportável, a moça voltou à carga: Quem lhe deu o direito de estar aqui? Ele tentou explicar: Vim só alumiá o negrume da noite pra vosmicê, Sinhazinha... Carecia de se assustá não... Não tenho medo de nada, ela empinou a própria fragilidade. Como poderia temer um empregado dentro da casa do senhor meu pai? Ademais, estava aqui com meus pensamentos...

O homem olhava com segurança os olhos escorridos de lágrimas da moça, cheios de brilhos amarelados pela chama da candeia. Sentia pena dela, mas sabia pelas décadas de convívio que não se devia manifestar piedade para com os senhores. Sereno sabe que está triste, Sinhá. Ma num pode fazê nada não, disse ele abaixando os olhos. Mas como pode saber disso? Não lhe dou esse direito. De onde você saiu?... Ainda com os olhos baixos, ele respondeu: Sempre estive aqui, Sinhazinha. Vim pra essas terras do senhor seu pai na barriga da minha mãe, que se foi embora amarrada naquele pé-de-jurema-branca, bem ali na direção onde a lua vai nascer já. Eu era desse tamaninho, cabia no cesto onde o alazão comia o seu mio. Naquele tempo o capataz era um homenzinho muito do ruim... Ela só queria alimentar a sua cria...

A moça se refez da letargia quando o ouviu falar no alazão, tornando a gritar: Não me fale do meu alazão. Eu amava o Trovão como se fosse uma pessoa! Ninguém montava nele além de mim! E acabaram de trazê-lo num arrasto de pau-de-mangue... Ele estava morto! E eu vou matar quem fez isso com ele... E a chorar convulsivamente ela recostou-se no portal, até sentar-se de novo no degrau do alpendre. Sereno continuou calado, imóvel, com os olhos cravados nas lages do chão. Como se sua alma cansada procurasse uma brecha para um imenso arrependimento.

Tentando descobrir em seu próprio silêncio o que deveria fazer naquela situação triste e constrangedora, o velho caboclo foi lentamente até a arandela pendurar a candeia. Não sabia o que fazer a mais. Durante quase vinte anos quisera ajudá-la em muitas situações de perigo, mas sempre chegava alguém antes. Sereno trabalhara sempre na plantação, às vezes tratando dos cavalos doentes e outras como mateiro. Amava a menina, antecipava os riscos que ela corria, mas haviam outros mais próximos dela. E agora o mesmo sentimento de proteção lhe parecia palpável de tão denso. E ironicamente, embora estivessem ali apenas os dois, simplesmente não sabia o que fazer.

Passados alguns poucos e imensos minutos, a moça quebrou o silêncio, mais calma, porém sem perder a altivez da voz: Como se chama? Sereno, Sinhazinha - disse ele. E porque está aqui, nunca lhe vi dentro de casa?... O velho empurrou a aba do chapéu para trás e coçou a calva rala e branca, como sempre fazia quando se sentia inseguro. Demorou um pouquinho mas respondeu: Eu vim de pés lá de trás da serra dos pastos... O senhor seu pai mandou que me alimentasse e ficasse por aqui até amanhecer. Ela insistiu: Mas por que veio de pés? Ah, Sinhazinha, parei no meio da mata para ouvir o sabiá-da-mata, tava cantando bem em cima de mim. Desde menino adoro os sabiás, num gaio da mangueira, por cima da minha palhoça tem um que fez ninho agora. Quando passo o café da tarde ele tá arrebentando os peitos, de tanto chamá uma fêmea pro seu ninho novinho e arrumadinho. Mas me distraí, meu cavalo assustou-se com a onça e saiu desembestado, nem sei pra onde. Mas vou lá buscar, pro seu pai meu senhor num ficá num prejuízo maió. Não é um bicho caro, é até meio capenga... Mas é um bom companheiro, num sabe? Vendo a perplexidade dela, ele perguntou: Que foi Sinhá, com essa boca aberta, quem nem peixe morto? A moça sussurrou: Onça?... Que onça é essa, Sereno?

O velho respirou profundamente. Não haveria mais de esconder. Ela que soubesse a verdade e que fizesse o que achasse justo. Disse a ela com segurança: a mesma que pegou o Trovão... Aquele sangue todo foi porque quando cheguei ela já tinha garrado no pescoço dele – disse caboclo limpando instintivamente as mãos grosseiras nas calças. A moça mostrou-se inconformada: E você não fez nada para ajudar o coitado? Não tinha uma arma, Sereno? Sinhazinha, ele caiu por cima da bicha, esperneava como um porco endemoninhado... Endemoninhado é você, miserável! Ele era o alazão mais valente que conheci... Só que havia uma onça mordendo o seu pescoço... E um homem medroso e inútil assistindo a sua morte desesperada! Que queria que o Trovão fizesse?... Sereno, se calou constrangido. E ela quis saber mais: E depois, Sereno?... Sinhazinha, num é nada fácil chegar perto de dois bichos grandes e raivosos... E eu só tinha mesmo o meu facão de mato e não queria ferir ainda mais o Trovão. Sim, mas o que você fez? – ela implacável. Eu nada, Sinhazinha, a onça é que resolveu desaparecer. Onça é um bicho covarde. Só pega pelas costas, sangra e espera morrer. Mas se sentindo insegura ela larga e fica de longe só espiando. Esperando a hora de comer sossegada. E o outro, que também é bicho, sabe que vai morrer e que ela vai vir lhe rasgar as tripas. É só uma questão de tempo... O mundo dos bichos é assim mesmo, Sinhá. Ninguém muda não. Vosmicê ta triste e eu também... Mas o Trovão tá não... Só tá esperando os primeiros lampejos do dia, pra correr por essas terras sem fim, pelos campos e pelas matas fechadas, num tem mais nada que lhe impeça... Vai conhecer todos os lugares onde nunca tinha ido, vai beber água do rio grande e vai saltar nas ondas da praia... Enquanto isso nós vai fica aqui chorando de tristeza, porque num pensa que ele ta livre como nunca foi... É que como nós só sente o sentimento da gente, só pensa com a cabeça da gente, então acha que o trovão ta sentindo e pensando a mesma coisa, Sinhazinha... Não tenha raiva não... Que ele não pode aparecer pra vosmicê e lhe contá como que é lá donde ele vem, ele vai ficar triste por causa da sua tristeza...

A moça se esforçava para aceitar aquela sabedoria estranha, que quase desdenhava os seus mais puros sentimentos, todas as coisas que aprendera a sentir. Mas, embora não tivesse coragem de dizê-lo, até que gostava muito de imaginar seu querido Trovão suando da correria que tanto amava, brilhando ao sol e ao luar. Ele amava o vazio dos espaços, os obstáculos que vencia, amava o vento revirando as suas crinas, enchendo-lhe os pulmões no peito enorme e musculoso, e depois expirava com força fazendo seu próprio vento, era quase um deus da natureza... Ah, como ele gostava disso... – dizia a si mesma. Alagada da própria ternura, disse então ao velho: Ele lutou até o último instante não foi, Sereno?

Ele era valente demais, eu o conhecia desde que era um potrinho muito abusado... Sou lhe muito grata, quero que fique, se alimente bem e descanse bastante. E depois vá buscar o pangaré, antes que essa onça o coma, já que não comeu o Trovão, pois que os homens foram buscá-lo antes disso... Sereno sentia-se mais à vontade agora, já sentado também no degrau de baixo. E completou: Vou Sinhazinha, antes de clariá vou atrás dele. E ai dela que se meta... Faça isso por mim, Sereno – ela pediu com raiva.

Não posso prometer, Sinhazinha... Não Sereno, não se arrisque, leve uma arma... E se ela lhe pegar pelo pescoço, como fez com o Trovão?... Vosmicê num fique triste não, Sinhá... Também sou meio bicho, já fiz muita coisa nesse mundo de meu Deus... Já matei oito onças, seu pai meu senhor pode lhe dizer... Uma delas ia morder era o pescoço dele... É que de uns anos pra cá elas estavam sumidas, que os cachorros farejam a catinga delas de longe... Gato tem raiva de cachorro e vice-versa, num sabe?

Eu prometo, Sereno. Vou contar para os meus netinhos essa estória. E vou me lembrar de dizer que você foi um herói, que não pode salvar o Trovão, mas veio de pés buscar homens, para que ele tivesse um enterro digno. Meus netinhos vão aprender a odiar todas as onças, porque essa matou o Trovão... Mas eis que tais palavras indignaram o velho filho-do-mato, e ele quis ser exato: Não, Sinhazinha... Isso não é certo, não é verdade não... Como, Sereno? Se ela não matou o meu alazão, então quem foi?... Fui eu mesmo, Sinhazinha... A moça de um pinote ficou de pé, com o dedo em riste, enfurecida lhe disse: Seu traidor! Vá embora, suma daqui! Nunca mais quero ver sua cara! Não vou lhe perdoar jamais! Vai... Antes que eu grite por alguém para lhe surrar no pé-de-jurema, desgraçado!

Naufragados novamente em profunda tristeza, ambos se foram. Ela para chorar na cama e ele no mato. Mas nenhum dos dois conseguiu dormir. A moça rolou na cama, sobre o lençol úmido das suas lágrimas, até que lhe viessem chamar para o almoço. Não foi. À tarde, na hora da refeição também não quis sair do quarto, deixando a todos apavorados. Seu pai começou a preocupar-se, vendo que as mucamas não paravam de cochichar pelos cantos. Resolveu-se a sacudi-la. Entrou no quarto como um furacão para intimidá-la e foi querendo saber o porque daquele drama. Sabia o porque, também sentia muito pelo alazão, sabia o valor que tinha, mas não queria perder também a filha. Sinhá estava desolada e não apenas pelo seu Trovão. As horas lentas da madrugada lhe convenceram de que havia sido injusta com o Sereno. Estava agora claro que quisera apenas poupar o animal de mais sofrimento. Não podia carregá-lo nas costas e com certeza não quis que o alazão assistisse a desgraçada da onça comer-lhe as carnes ainda vivas. Ela estava soterrada de remorso e com muito jeito fez o velho concordar em mandar buscá-lo. Assim também concordou em levantar-se para se banhar e voltar à vida normalmente.

Alguns dias depois estava novamente sentada no alpendre, mas dessa vez assistiu a obra da natureza que se comprazia em dispor da sua atenção. O dia terminou. Escureceu por completo. Ela se lembrou da noite em que se assustou com Sereno. Dessa vez queria imensamente que ele lhe trouxesse a candeia. Havia preparado algumas palavras para lhe pedir que perdoasse a grosseria. Ninguém lhe dissera uma palavra durante esses dias, tinha a impressão cada vez mais densa de que não lhe queriam falar a respeito. Uma luz veio de dentro, mas pelo andar sem botas não poderia ser Sereno. Era uma mucama, que foi dispensada. Sinhá só queria a luz do velho caboclo, como naquela noite. Agora queria gostar dele, da sua sabedoria e da sua paz. A lua começou a aflorar, derramando seu prateado pelas colinas que pareciam abraçar em segurança a mansão. De repente, algo mexia nas folhas do pé-de-jurema-branca, que pareciam lhe acenar variando o reflexo do luar. Então, para sua imensa surpresa ouviu com nitidez o canto mavioso de um sabiá... Mas como? Sabiá cantando há essa hora? Não pode ser... Não queria aceitar o que seu próprio silêncio lhe dizia, lutava contra com todas as suas forças... Então ouviu de novo, logo ouviu outra vez e de novo tornou a ouvir... As defesas que havia erguido em si própria foram ruindo a cada canto, como se fossem rojões de poderosos canhões. Até que não pode mais sustentar a certeza que preferia. O sabiá só podia estar feliz. Tão feliz que nem se importava com a noite, não queria esperar o amanhecer! Se quisesse vê-lo sempre feliz, devia afastar a tristeza. Libertá-lo do próprio peito para que fosse completamente livre, para que cantasse onde quisesse e quando quisesse. Seu canto não era triste como o de outros, mas vigoroso e doce como o de uma flauta da natureza. A mucama voltou com um semblante pávido, mas quedou-se quando à luz da candeia viu que o de sua Sinhazinha sorria para a lua, já em seu esplendor. A mucama lhe disse: Sinhazinha, o seu pai mandou meu irmão e me primo buscar o Sereno... Mas eles não querem falar, estão com medo. Medo de que? Diga logo... Não fica brava comigo não Sinhazinha... Fala de uma vez, mulher... É que a onça pegou o Sereno também, Sinhazinha...

Completamente perplexa, a mucama ouviu a Sinhá lhe dizer com doçura: Não fique assim tão triste. Há essa hora ele deve estar bem assobiando por aí... Por onde, Sinhazinha?... Pela natureza, pelo céu, pelo rio grande, ou se lavando nas ondas do mar... A pobre mucama não conseguia atinar com aquelas palavras surpreendentes e Sinhá completou: Anda, pode deixar a candeia na arandela e vá pra dentro. Se precisar eu lhe chamo, agora vá. Quando mais tarde seu pai veio lhe buscar para dentro, aliviado pelas falas da mucama, encontrou-a bem disposta, quase feliz para aquelas circunstâncias. Sinhá aproveitara o tempo para fazer uma prece emocionada, repleta de gratidão e amizade, pela alma do velho Sereno. Durante toda vida estivera bem ali e nem o havia notado. Mas havia sido de grande valia justo no momento que mais precisou. Se estava feliz a ponto de assobiar no galho do pé-de-jurema àquelas horas, então deviam estar todos felizes: O Sereno, sua pobre mãe e também o Trovão. Não, não queria mais pensar em tristezas. Foi quando seu orgulhoso pai, sentindo necessidade de participar daquele momento lhe disse: Deixe estar, querida... Aquela maldita onça não irá longe... Eu me encarregarei disso pessoalmente.

Lou Poulit
Direitos Exclusivos do Autor

Foto de Edilayne Campos

Lembranças.

Era uma noite normal, com um luar profundo. O céu sem estrelas denuciava que a chuva estava por vir.
Pensativa, sentei-me num banco qualquer, esperando o tempo passar. Esperando a mágoa diminuir, esperando tudo, menos a sua volta.
Já era tarde quando o primeiro pingo de chuva caiu sobre a minha testa, escorreu pela minha face, rumo a minha barriga. Foi como se você me tocasse outra vez.
Aquela gota de água gelada me dava novas sensações. Me despertava prazeres, que pensei nunca sentir.
Olhando o céu, e mesmo ele estando quase vazio, tive a impressão de que via sua beleza ali refletida.
O vento calmo soprando de forma que me me fazia lembrar a sua vóz em meus ouvidos, declarando seu amor por mim.
Amor esse que se findou quando a ilusão passou, como essa noite, que agora se vai com o nascer do sol.

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