Sapatos

Foto de Ivone Boechat

SOS - misericórdia para as crianças

A sociedade vive sobressaltada, de cabelo em pé, com o resultado do seu próprio estilo de vida. É muito barulho pra todo lado. Aí, a própria família, essa que reclama tanto do incômodo, basta alguém comemorar o aniversário e o barulho é o primeiro convidado a chegar. Nas festas de casamento então, o barulho chega de fraque e cartola. Os convidados, coitados, que imaginavam rever amigos e botar o assunto em dia, nem pensar. Ninguém consegue falar, só se gritar para saber, pelo menos, como o outro vai. Aliás, na primeira chance as pessoas vão saindo, estressadas e frustradas. É para economizar o consumo? É chic? É moda? É claro que um fundo musical na festa é maravilhoso! Mas, por que tanto volume? E não adianta pedir para baixar o som, o profissional contratado, o dj, tem poder; manda na festa e você pode morrer fuzilado com uma guitarra apontada para o seu ouvido que ninguém socorre ninguém.

Por onde anda a educação?

As crianças não escapam dessa maluquice de botar o som em último volume nas comemorações, pasmem, a partir de um ano de vida! Mas reparem como os pimpolhos homenageados se comportam na festa: desesperados, choram, querem tirar a roupa, os sapatos, os penduricalhos do cabelo, e geralmente os avós ou algum voluntário bom samaritano sai com a vítima aos farrapos, para dar uma volta lá fora, onde o aniversariante acaba dormindo, aliviado, longe dessa zoeira horrorosa! É um caos! Enquanto isso, uma nuvem de sofredores de tenra idade se esforçam para ficar na festa, anestesiados pela esperança de ganhar os brindes. Ufa! Que sacrifício! A maioria chega a casa e haja mecanismos para baixar a overdose de adrenalina.

A Escola não pode de maneira nenhuma se omitir na educação sobre o uso inteligente do som.

Os profissionais têm também que baixar o volume dos equipamentos utilizados nas aulas. É um horror! Os professores devem reduzir o volume da voz. Por que gritar tanto assim? Numa conversa normal, com pessoas educadas falando, o decibelímetro marca 30, 35 decibeis! Imagina o incomodo de quem é obrigado a participar de uma aula com 60 decibéis ou mais dos professores que só gritam? O resultado é este que se registra: de cada cinco crianças, nas três primeiras séries do ensino fundamental, somente uma é capaz de ler e entender uma frase escrita! É só porque o professor grita? Não! Claro que não, mas que a gritaria interfere, ah! Interfere, sim.

“O excesso de ruído causa na massa cinzenta um estímulo desnecessário, que a deixa acelerada, sem motivo. Ficamos em alerta, como se estivéssemos em perigo", explica Fernando Pimentel de Souza, neurofisiologista da Universidade Federal de Minas Gerais. Isso significa produção em excesso de cortisol, o hormônio do estresse, em picos indiferente”.
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Excesso de som altera a química cerebral: barulho excessivo das indústrias, canteiros de obras, meios de transporte, áreas de recreação, recreio da escola, festas, reuniões, etc. estratosféricos, no organismo. "É uma estratégia de defesa, que o próprio cérebro, agredido, articula", justifica o psicólogo Esdras Vasconcellos, da Universidade de São Paulo. Faz sentido, por se tratar de uma reação que prepara o corpo para se proteger de um possível problema”.

“O ouvido é o único sentido que jamais descansa, sequer durante o sono. Com isso, os ruídos urbanos são motivos a que, durante o sono, o cérebro não descanse como as leis da natureza exigem. Desta forma, o problema dos ruídos excessivos não é apenas de gostar ou não, é, nos dias que correm, uma questão de saúde, a que o Direito não pode ficar “A Escola localizada no centro nervoso das cidades tem o ensino prejudicado. Pesquisadores da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, ao avaliar os efeitos do som do trânsito diurno em alunos do 7º ano, chegaram à conclusão que alunos que estudam em escolas localizadas em áreas de tráfego intenso tiveram pior resultado nos testes de leitura - uma defasagem de sete meses - em relação às turmas de instituições situadas em áreas mais silenciosas”.

“Primeiramente, devemos educar a alma através da música e a seguir o corpo através da ginástica” Platão.

Então, mãos à obra: família, escola, igrejas, amigos, todo mundo; baixem o volume do som! Use-o, com inteligência!

Ivone Boechat

Foto de Ivone Boechat

Círculo vicioso

Círculo vicioso

Ivone Boechat

Um dia, milhões de bebês choraram na liberdade uterina do milagre da vida: nasceram. Não vestiram seus corpos, não lhes calçaram sapatos nem lhes deram o conforto do seio materno, antes da posse do sonho infantil, foram rejeitados, ao rigor do abandono.
Um dia, mãozinhas trêmulas, inseguras, sem afeto, bateram na porta do vizinho, procurando abrigo. Não havia ninguém ali para oferecer afeto nem portas havia na pobreza do lado. O menino escorregou na direção da rua.
Um dia, a criança anêmica foi eleita à marginalidade da escura noite e disputava papelões e pães no lixo do depósito público. Aos tapas, cresceu como grão perdido no vão das pedras, sem a mínima possibilidade de sobreviver: sem teto, sem luz, sem chão.
Um dia, o adolescente esperto teve alucinações de vida e o desejo de conferir a sociedade: candidatou-se à luta amarga do subemprego. Alvejado pela falta de habilitação, foi condenado como vagabundo, recebendo etiqueta oficial de mendigo.
Um dia, o adulto desiludido, amargurado, sem emprego, sem referencial, saiu à procura do amor. No escuro, mas cheio de esperanças, foi colecionando portas fechadas pelo caminho. Sem Deus, sem nome, sem avalista, sem discurso, acreditou no "slogan" das campanhas sociais.
Um dia, o menino mal nascido, mal amado, mal educado, não soube cuidar do filho que nem chegou a ver. Não ouviu seu choro. Imaginou apenas que, após nove meses de duríssima gestação, alguém brotara de um rápido encontro, irresponsável, assustado e vazio que sempre ouviu dizer que se chamava amor.

Foto de Gil Camargos

Desperta...

"Desperta Garota! Tem um dia lindo e cheio de surpresas te esperando!
Se vista de levezas e animo. Use uma maquiagem resplandecente da fé!
Exagere nos adereços, longanimidade, bondade, mansidão, amor e perdão são joias preciosas que te farão brilhar! Use um perfume suave com toque de pureza e delicadeza. Calce os sapatos da coragem e persistência! Leve na bolsa sabedoria e paz. Caminhe com passos firmes e olhar confiante, lute, avance e conquiste! Você nasceu pra vencer!" Gil Camargos

Foto de Rosamares da Maia

Produtos da Indiferença

Produtos da Indiferença

Nas sombras proliferam criaturas medonhas,
Amontoadas, escondem-se, defendem-se,
Prontos para atacar, mostram os dentes,
Brancos dentes de leite. Por pouco tempo.
Em breve, serão caninos cariados, afiados.
Maternidades espúrias, profanas, sem sentido,
Tal impunidade custará ao futuro, em vidas.
As hediondas criaturas povoam as ruas,
Como se direitos lhes coubessem!
São matilhas solidárias que procuram.
Juntas, dividem o produto da sua pilhagem.
Comem como cães vorazes, roem como ratos.
Escondem a magra nudez em trapos,
Refestelados em camas de papelão,
Enganam o frio e o estomago, na cola de sapatos.
São produtos da miséria, forjados pela dor.
Sem escola, cinema, remédio ou pipoca.
Morrem e se reproduzem prematuramente.
Nasceram crianças - meninos e meninas,
Se ainda ousam sonhar, é difícil saber.
Mas têm rostos, olhos que refletem verdades.
Olhos frios, sob viadutos, em baixo dos tapetes,
Dos palácios fartos e dos luxuosos gabinetes,
Providencias e decisões em cima do muro.
Muros de nababos, vergonha da Nação.
Não são cães, nem ratos, apenas uma matilha solitária,
Matilha invisível de quem não tem nomes - “Excluídos”,
Que gritam com fome e rangem dentes, causando medo,
Mas não são cães nem ratos! São Homens...
Meu Deus! ...São Homens!

Foto de Carmen Lúcia

Indagações à vida

Onde está o meu entusiasmo?
As coisas que me faziam estremecer?
A vaidade a me bater,
o espelho a me ver
sempre impecável,
irretocável?
Batom, blush, rímel, esmalte, laquê?
As roupas da moda,
os saltos dos sapatos
que me elevavam
a ver lá de cima
a vida acontecer embaixo?

O amor próprio, onde foi parar?
O amar a mim mesma, em primeiro lugar?
Os sorrisos, as gargalhadas,
as noitadas, as baladas,
as danças improvisadas,
o desejo irrefreável de viver?
O coração descompassado,
o rubor destemperado,
o sorriso dissimulado,
o meu sim apaixonado...

As sessões de cinema,
o amor sentado ao meu lado,
os beijos disfarçados,
os tremores tresloucados...

Quando deixei de viver?
Em qual ancoradouro aportou minha autoestima?
Qual livre- arbítrio assinou a minha sina?

_Carmen Lúcia_

Foto de poetisando

Fato preto

Visto o meu fato preto
Que é a cor da despedida
Os sapatos da mesma cor
O preto é a cor da despedida

Vou Dizer adeus aos amigos
Que tenho dentro do coração
Que a todos nunca esquecerei
No meu pensamento estarão

Resta-me uma grande dor
Que vai comigo na partida
A felicidade que sonhava
Acompanha-me na despedida

Do sonho de que era feliz
Acabei por vir a acordar
Felicidade não há para mim
Só quando estou a sonhar

Visto o meu fato preto
Para fazer a minha despedida
Preto é cor de luto e tristeza
Também despedida da vida

Adeus meus companheiros
Que tenham tudo bom na vida
Aproveitem o que ela vos dá
A mim só me resta a despedida

De: António Candeias

Foto de Bel Souza

Sapatos Coloridos

Aí contam que quando eu nasci, a primeira coisa que viram foram olhos verdes arregalados, espertos e curiosos. A última foi uma mancha café com leite em cima do pé esquerdo. E, logo pensaram: "se a perdermos, a acharemos pela mancha do pé!". E o pé crescendo, e a mancha acompanhado, como não poderia deixar de ser... e nas minhas poucas escolhas de menina, vinham sempre os sapatos coloridos, nada de branco, preto, cinza, eu queria cor! Um vermelho, um azul, no aniversário um amarelo, o natal chegando e os pezinhos coçando!
- "Como é bom estar segura! Com meus sapatos coloridos, nunca me perderei, nunca me perderão!" Eu pensava assim.
O tempo passou, o pé cresceu um bocado, como não poderia deixar de ser... e nas minhas poucas escolhas de mulher, os sapatos coloridos foram ficando para depois, eu tinha mais gente para vestir, calçar, colorir e tornar referência. E, isso não me permitia muitas cores. A mulher foi crescendo, como não poderia deixar de ser... e passei novamente a olhar para os pés. Percebi que de nada adiantava colori-los, a mancha estaria sempre escondida! E, lembrei que "quando nasci, a primeira coisa que viram foram olhos verdes arregalados, espertos e curiosos" e conclui que estes sempre foram coloridos, nunca estiveram cobertos, e eu não mais tive medo de me perder...

Foto de Allan Dayvidson

QUEBRA-CABEÇA

"Alguém disse uma vez que é um abismo o que separa uma pessoa de outra. Disse também que o ato sexual elimina esse abismo apenas momentaneamente..."

QUEBRA-CABEÇA
-Allan Dayvidson-

Meu quebra-cabeça tem milhões de peças,
Minha mochila, zilhões e zilhões de promessas,
Mas nenhuma boa razão para iniciarmos essa conversa...

Você mal conhece uma fração de mim.
E novas partes estão sempre a surgir.
Mas cada fragmento meu está prestes a se libertar...

Pelo ar,
os átomos se movem... se permitem... se desligam.
Saia de seu lugar,
E abandone também alguma de suas peças...

Seus sapatos lar-gados
Na porta de entrada.
Seu jeans des-botado
Jogado na escada.
Bom senso des-pido.
Mas não se atreva a consertar absolutamente nada!

Permita-me tirar vantagem de você.
Trata-se de muito mais que uma oferta,
Quero cruzar nossas fronteiras.

Mas, depois de tudo, não vá se surpreender
Se, dessa vez, eu for o primeiro a puxar as cobertas.
Cansei ficar apenas com a beira...

Não se preocupe, não pretendo medir
ou etiquetar nada do que faremos aqui.
Somos só eu e você,
quebra-cabeças eternamente incompletos.

Pelo ar,
Nossos estilhaços... se chocam... se misturam.
Saia de seu lugar
E aprecie plenamente cada momento...

Coração dis-parado
E meus olhos em você.
Estou quase sem-fôlego,
Mas ainda consigo dizer
Que assim é de-verdade
E não se atreva a consertar absolutamente nada!

E quando chegarmos ao fim,
Seremos como dois astronautas
Voltando do espaço.

Levarei daqui o que pertence a mim.
Não quero tudo de você,
Apenas um belo pedaço...

Foto de Rute Mesquita

Imagem - Inspiração (Nós da vida)

A vida é como um pequeno elástico
na nossa mão.
Quando muito esticado,
torna-se frágil e embaraça-se nas mesmas.
Deixa-nos limitados dentro de um saco de plástico,
abrindo portas à solidão…
Um saco vulgar e num saco antiquado,
ao lado,
encontram-se resmas…
de contas, de preocupações, de desacatos,
mas, vamos manter-nos interditos à realidade?
Ou vamos ‘dar corda aos sapatos’?
Vamos sem presas,
com muita crença em cada movimento,
desembaraçar estes nós.

São nós da vida,
uns de tempo e outros do momento
mas, terão de ser superados.
Sim, exacto como se de um quebra-cabeças
se tratasse.
Que nos compromete com um pensamento,
que obriga uma delicada concentração.
E no fim um fomento,
que nos mete no caminho da solução.
Um caminho que nos testa, que mede a nossa fé,
pesas face às nossas crenças
e que finalmente nos leva àquela sé
e deixa-nos a questionar:
‘o que seria de mim se não acreditasse,
que por mim tenho sempre alguém a olhar?’
É quando vemos a luz incandescente,
que desenlaça todos os nós,
e sentimo-nos crescer.
Passando de uma nascente,
a uma foz.
Agora sabemos como outro alguém
aconselhar.
Nesta viagem aprendemos,
que escolhemos o bem,
basta-nos acreditar.

E assim despimos aquele carregado tejadilho,
de angústia, de solidão, de melancolia,
e até mesmo de loucura.
Pois a felicidade perdura,
e como eu bem dizia:
a fé deve ser o nosso espartilho.

A vida,
é como um pequeno elástico na nossa mão,
um elástico muito brincalhão
e será a sua quebra a única saída?
Depois disto, creio que não.

Foto de Rute Mesquita

A Cinco Pontas Dos Pés

Sinto que carrego correntes… pesos que se arrastam no chão. Oiço um rugir perseguidor. Um perseguidor tão pontual e assíduo quanto a minha própria sombra. Ainda não sei bem o que se passa à minha volta, ainda está tudo tão turvo… e eu sinto-me carregada de culpa, de arrependimento, de tristeza, de exaustão e de ódio por sentir tudo isto…
As coisas à minha volta estão a começar a compor-se, talvez deva continuar a desabafar…
Estou cansada, de tanto cair, estou cansada de olhar em redor e nada ver… estou farta de ouvir as minhas próprias lamurias, estou farta… neste momento só me apetece ter um tempo para mim. Preciso de travar mais uma guerra dentro de mim, aquela voz destabilizante não pára de querer medir forças comigo. Não me vou deixar vencer e é por isso que preciso deste tempo para mim, para que esta voz não venha como uma onda gigante e me leve este meu castelo que com tanto carinho construi.
De repente, uma súbita mudança surgiu, deixei de ver… mas, transpareci calma… não sei porquê mas, tinha confiança no destino e por isso passei neste primeiro teste, penso.
Sinto os meus cabelos a bailar com o vento. O meu corpo elegeu-se mais ou menos um palmo da superfície e flutua… não sei ao certo se deveria ansiar ou até implorar pelo chão, só sei que não o farei pois sinto-me leve como uma pena que voa aos sopros de brisas suaves. Recorda-me aqueles sonhos em que parece que a minha cama é um teletransporte.
Não vejo… mas, mesmo que visse iria fechar os meus olhos. Começo aos poucos a perceber esta viagem.
Cheira-me a sal, oiço o mar e nem preciso na areia tocar para saber que estou algures numa praia. O som das ondas diz-me que está maré baixa pois rebentam umas atrás das outras arrastando sal e humedecendo os pigmentos de areia que alcança. É como se as ondas beijassem constantemente a areia e a puxassem cada vez mais para si.

- ‘Serão amantes?’, pergunto e ao escutar a minha voz surpreendo-me com a minha pergunta, pois nunca tinha pensado assim.

Os meus pensamentos voltaram e pesam por isso, a gravidade actua novamente e pousa-me naquela areia. Acontece num processo tão lento que sinto que comecei por tocar a areia e agora entranho-me na mesma como se neste momento fizesse parte desta.
A minha visão, continua ausente mas, vejo um clarão de tons que vai desde a gama dos amarelos até aos laranjas mais avermelhados que me faz perceber que um calor se afoga naquele mar, dando lugar a uma outra gama de cores, cores que vão desde os violetas mais azulados aos verdes mais acastanhados. Julgo que seja o pôr-do-sol e que daqui por uns minutos se dê o erguer da lua.
E mais uma vez me surpreendo com o meu raciocínio, nunca tinha visto as coisas desta maneira tão sensível. Talvez por ter tido sempre a visão da ‘realidade’ facilitada e por isso nunca tivesse dado valor, penso.
Nisto, o mar agora beija os meus pés, como se me convidasse para entrar… mas, vou aguardar sentada de joelhos encostados ao peito e com os meus braços sobre os mesmos, pois uma brisa fria em breve virá arrepiar-me.
A lua já se ergueu, as cores que ‘vejo’ mudaram como, tão bem pensei que fosse acontecer. Um arrepio percorre a minha espinha, aquele arrepio por que já esperava mas, que não deixou de distorcer o meu corpo e fazer levantar todos os meus pêlos.
Os meus cabelos, agora mais que nunca parecem sem direcção, uns atravessam-se à frente minha face.

-‘Tenho que me mover, senão irei congelar’, disse para mim. E sentei-me de uma forma mais descontraída enquanto mexia na areia.
Imaginava a minha mão como uma ampulheta que com imensos grãos na minha mão suspensa no ar, decidia faze-los juntar-se aos outros seguindo uma constante, o tempo… e foi então que outro raciocínio inesperado da minha boca se soltou:

-‘Se encher a minha mão de areia e por uma abertura constante, a deixar cair e enquanto isso for contando os segundos até sentir a minha mão sem nada consigo perceber quanto tempo tem uma mão de areia, com aquela abertura de raio fixo e àquela distância do solo’.
Assim, percebo rapidamente que o tempo varia com dois factores, com o diâmetro do buraco que deixo, por onde a areia irá soltar-se e com a altura a que tenho a minha mão do solo arenoso, percebo que se me puser de pé a areia demora mais tempo a juntar-se àquele solo arenoso do que se eu estiver sentada. Após a experiencia dou por mim boquiaberta envolvida numa brincadeira de pensares, como se unisse uns pontos aos outros e no fim os justificasse com a experiencia.

-‘Deveria perguntar-me o que se passa? De onde surgem estes raciocínios? Porquê? Se ainda agora começo a descobrir os tais pontos, se ainda terei de uni-los e acabar com a sua comprovação que provém da experiencia?’

Sinto algo musculoso e texturado agarrado ao meu pé direito. Volto a sentar-me e pego naquele músculo e começo por tentar perceber a sua forma, percorrendo as minhas mãos pelo mesmo.
- ‘É uma estrela-do-mar!’, exclamei. E dou por mim a falar com esta estrelinha pela qual baptizei de cinco pontas dos pés.
- ‘Tens tantas pontas quanto os dedos que eu tenho nos pés e nas mãos. Não preciso saber a tua cor, pois para mim já és a Cinco Pontas Dos Pés mais bela que conheci.’ Confessava-lhe.
-‘O que te trás por cá minha Estrela? Bom, não interessa se aqui estás, é porque certamente fazes parte desta minha viagem e simbolizas algo na mesma, quem sabe sejas um daqueles pontos que terei de unir.’ Contava-lhe mas, discutindo comigo mesma.
-‘Sabes querida Estrela, esta viagem começou por ser um refúgio… passou a ser uma viagem de sensações, depois uma viagem rica em sensibilidades das coisas mais simples que agora vejo que são as mais belas e agora, encontro-te a ti, uma amiga como se adivinhasses que aguardava inquieta por contar tudo isto a alguém. Espera… é isso!’

Pousei a Cinco Pontas Dos Pés naquele meu pé que um tempo atrás se havia agarrado e comecei a unir os pontos.

-‘Vim num transtorno de estado de espírito, numa revolta por nada ver a minha volta e fiquei sem visão. Recordo-me que vinha carregada e que me sentia perseguida enquanto arrastava umas correntes e tudo desapareceu, eu elegi-me cerca de um palmo do chão e senti-me livre, leve como uma pena. Lembro-me também que procurava um tempo só para mim e vim parar a uma praia deserta. Depois aqueles meus raciocínios e olhares às coisas mais simples mas, que jamais em tempo algum lhes tinha dado tal valor. Desde aquele pensamento de o mar e a areia serem amantes, o pôr-do-sol e o eleger da lua, o arrepio e à pouco sobre os grãos de areia. E por fim, apareceste tu, claro! Vieste para eu me ouvir, a mim mesma e assim unir estes pontos.'
E continuei o meu discurso:

-'E com esta viagem, aprendi uma grande lição, que ao invés de me deixar domar pelas minhas lamúrias deveria confronta-las como sendo o que não são, belas e assim elas ficarão belas, porque assim as olho e quero que sejam. Isto de uma forma inteligente.
Aprendi que a beleza no Mundo está em todo o lugar, nas mais pequenas coisas encontramos o nosso mais sensível, o nosso mais profundo sentimento e assim afirmamos a nossa humanidade.
Aprendi que um amigo nos aconselha, nos apoia mas, que sobre tudo nos ouve, como tu minha amiga, Cinco Pontas Dos Pés que pouco precisaste dizer pois fizeste com que me ouvisse a mim mesma e chegasse onde cheguei.
Aprendi (…) a minha visão voltou!’

Está tudo turvo, sinto-me a regressar ao sítio de partida… e imploro:
-‘Estrela, estrela! Não largues o meu pé! Vens comigo!’

Estou de regresso e como me sinto bem, estou radiante de felicidade e tudo o que carrego agora comigo é paixão, paixão por toda a beleza que me rodeia e admiração, por esta experiencia que jamais esquecerei. Os meus olhos brilham, como duas pérolas, o meu rosto está iluminado como se uma auréola pairasse sob a minha cabeça. Estou vestida de branco e de sapatos e só penso ‘a minha Estrela!’. Descalço-me e não a encontro, dispo a camisa, as calças e o casaco e nada, não a vejo em lado nenhum… sento-me agrupada e lágrimas escorrem pelo meu rosto e quando já quase me sentia preparada para repetir a viagem vejo algo a mexer-se no meu casaco e qual é o meu espanto quando vejo a Cinco Pontas Dos Pés?! Que encantamento!

-‘Eu sabia que eras bela, minha Estrela, bela como aquele pôr-do-sol e ainda bem que vieste comigo pois serás sempre a minha melhor amiga e serás tu quem irá manter aquela experiencia sempre viva!’

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