Roma

Foto de Sérgio Carapeto

Estava uma noite calma em Roma, apesar de chover torrencialmente as nuvens negras que percorriam o horizonte inóspito não impediam a lua cheia de brilhar, lá fora, ao relento da noite, os lobos uivavam a essa magnifica lua, que iluminava o céu escurecido, sem estrelas no firmamento, e os lobos correndo, saltando e até pulando por entre os galhos partidos e a neve fria, levavam consigo a vida que não lhes pertencia, tecendo a sua maneira a paisagem rude e agreste da floresta negra e sombria, onde eles desapareciam silenciosamente com a sua vitima por entre os dentes da carnificina.
Porém, a floresta era toda cheia de vida, mas naquele momento, naquele dia, por algum motivo alheio a compreensão humana, a floresta era agora tenebrosa e sinistra e nem mesmo com a lua cheia, o luar chegava a penetrar o sombrio interior da floresta negra, de tão densa e espessa que estava naquele dia.
Ouviam-se por entre as pontas quebradas da floresta, nos ramos mais altos das árvores antigas, os mochos sábios, que tristes piavam a sorte do homem, como se chorassem verdadeiras e autenticas lágrimas, como chora um homem, mas aquele piar triste mas aterrador, era como um sinal, um sinal de medo, de pavor, de pânico, um sinal de verdadeiro terror para com o desconhecido que nos deseja o mal.
No chão da floresta os animais belos e coloridos, que antes pintavam em tons de beleza superior aquele lugar, escondiam-se agora nas suas tocas e ninhos, com medo de algo que nem eu, nem vocês poderiam imaginar, de tão maléfico e perverso que seria, e o mocho, com um presságio de morte continua a piar, quebrando assim o silêncio quase virgem daquele lugar.
O chão da floresta, antes verde e macio, cheio de belas criaturas era agora habitado por seres estranhos e disformes, serpentes e escorpiões abundavam pelo chão enlameado, alimentando-se dos infelizes seres com que se deparavam, soltando veneno sobre as plantas e as árvores que depressa pereciam, como que queimadas por uma chama invisível, e os corvos emergiam do coração negro da floresta, voando sobre a lua como uma nuvem negra de tempestade, poisavam nos ramos das árvores secas e mortas que ali habitavam, começando a piar pela noite a dentro, formando um coro negro e ameaçador do qual saia uma sinfonia destorcida e barulhenta que perturbava o silêncio intocável da perversa noite, como se chamassem os Deuses malignos do submundo, para que por artes de Hades, Deus dos Infernos, renascessem e voltassem a governar a terra pelas chamas dos infernos cálidos.
Nas sombras escurecidas pelo céu apagado escondiam-se sinistras criaturas, envoltas em capas de negro linho, fugindo aos olhares atentos que as queriam enxergar, eram horrendas a vista humana, desfiguradas pelas lutas titânicas com os Deuses supremos, que nem Hades os era capaz de olhar, seres monstruosos e desfigurados, sem pernas, nem braços, com dentes aguçados pelo sabor da carne humana, e que, lentamente brotavam das sombras negras, caminhando sobre a terra como fantasmas, demónios, banidos dos infernos, seres que nem os Deuses eram loucos de enfrentar novamente.
A floresta já não era a mesma, parecia possuída por um demónio, ouviam-se negros uivos para lá do atento olhar humano e de repente um riso estridente abanava o silêncio da noite escura, vindos da sombria floresta onde nem mesmo o mais corajoso dos homens se atrevia a entrar, onde nem mesmo os Deuses, que o Olimpo divino governam sentados em tronos de ouro e arrogância, prepotentes para com a vida humana e o seu destino, nem eles, Deuses todos os poderosos que se dizem governantes da terra e dos céus, nem eles usufruíam dessa coragem, capaz de enfrentar a escuridão da floresta negra e sombria, e aqueles que a habitam. Os risos que enchiam o silêncio aumentavam ao ritmo da lua cheia que percorria o céu deposto, pelos Deuses.
Ao longe, mas soando como se estivesse perto, mesmo ao virar de um rosto, um olhar, ouvia-se o gemer das almas perdidas, que nos fogos sagrados dos infernos se purificavam dos pecados humanos, e entre a bruma escondida dessa floresta negra e sombria brotavam fogos fantasmagóricos, de cor vermelha, como se ardesse sangue, o sangue virgem e inocente, e depois, como por artes de feitiçaria abriam-se fendas pela terra fora, brotando negras criaturas dos infernos negros e infectos, que devoravam as serpentes e os escorpiões como se de um festim se trata-se, a noite escura e perversa escondia este festim horrível dos olhares atentos dos Deuses supremos, mas a fome era tal que se devoravam uns aos outros, esventrando-lhes as entranhas, e comendo-lhe a carne putrefacta, porém não corria sangue, mas sim um liquido negro e nauseabundo que enlameava a terra e a contaminava. As árvores sem se puderem mexer temiam o mesmo destino, assistindo horrorizado aquele festim diabólico, os corvos negros cantavam pela noite dentro e a lua como ferida na sua inocência por aquelas imagens, morria aos poucos, trazendo consigo a mais completa escuridão.
Era este o cenário com que a imponente Roma se deparava naquele dia, naquela noite, como se tivesse sido esquecida pelos Deuses, lançando assim a sua sorte aos conquistadores e bárbaros.
O meu nome é Augusto, filho de César e Helena, sou um jovem espartano, mas desde pequeno vivo em Roma com toda a minha família, para além dos meus pais tenho ainda duas irmãs mais novas, Reia e Hera, que são as pessoas que eu mais amo na minha vida, e para além dela.
Aristóteles, meu pai, era um homem culto, dedicado desde muito cedo a filosofia e as artes da guerra, conhecedor da vida e da morte, a morte que o moldara ao longo da sua vida sem a devida razão, a razão que todos desconhecem mas os próprios Deuses guia e a quem obedecem.
A justiça e razão são os seus Deuses supremos, e respeita-os, compreende-os, como se fossem uma só verdade, única e sem igual falsidade.
O seu corpo é atlético, esculpido em músculos de tom forte e resistente devido ao esforço sobre-humano despendido na guerra, a guerra que corrói a humanidade e traz o mal a terra, em vez da paz e da harmonia que desvanecem na esperança de um longo e belo dia.
De olhos azuis e nítido olhar, consegue ver para além do horizonte, vislumbrando o céu e o mar, e o firmamento que acaba no luar, os seus cabelos são negros, negros como o breu, que encobre os corpos mortos que jazem no campo de batalha ao anoitecer.
O seu rosto é tranquilo e sereno como o mar em que juntos navegamos, esperança de paz que um dia alcançamos, o seu sorriso é doce e matinal como as flores que Apolo colhe ao luar para a formosa Vénus dar, um sorriso e uma flor, tons pintados de amor.
Dele emana uma luz radiante e pura, feita de esperança, uma fé renascida para quem já tinha morrido e agora queria a vida, e por entre as trevas em que vivos vaguearam os infiéis que desobedeceram aos Deuses imortais, agora mortos conhecem a sua ira pelos tormentos infernais, que no mundo inferior, governado por Hades, o Deus tenebroso, senhor do infortúnio concede aos pecadores.
A esperança dos que desejam a paz eterna e agora querem seguir o caminho da luz, é esta a luz, que doira a sua volta, feita de amor e esperança que meu pai oferecia a todos os que o amavam.
Mas só aqueles que o amavam! Porque aqueles que tentavam a sua ira, e o queriam destruir, torná-lo num infiel perante o seu povo e os seus Deuses, que desde pequeno fora ensinado a amar, e que mais do que a própria vida, mais do que o sangue que lhe corre nas veias e a salvação prometida… ele ama.
Para estes crimes ele era outro, e a luz que brilhava em seu redor e que o velava perante mim e os que amava, torna-se agora escura e fria, feita de ódios e rancores, e as almas que por ele tinham partido tomam agora forma nessa luz, feita de trevas e negras brumas que fazem estremecer o coração mais puro e cristalino.
Pobre daqueles que tentavam a sua ira, ou que ameaçavam a sua casa, a sua família, os seus Deuses e acima de tudo Roma, pobre dele, porque a morte seria de esperar, mas a morte seria o mais dócil que ele poderia encontrar, para quem não faz justiça e toma os homens como bestas sem sentido.
Pobre de quem não segue a ordem justa e eterna do universo e trata o homem como um animal, porque ele não o irá perdoar, pois para ele será como um pecado mortal, um insulto ao divino, uma afronta para com o Deus que celestial nos criou igual, igual a si mesmo sem a perfeição original.
Pobre de quem não respeita o homem, mas mais ainda o Deus, que poderoso habita o Olimpo divino, porque se o Deus ofendido pela calunia e a infâmia não deseja dar-lhe o castigo devido, estará ai meu pai para cobrar a honra dos que bons perdoam e são desprezados.
Apesar de viver em Roma, meu pai nascera em Esparta e descendia da nobreza local, na idade adulta frequentara as fileiras dos exércitos citadinos, e a pouco e pouco, devido ao seu enorme talento no manejo das armas e destreza na arte da guerra, e pela coragem manifestada no campo de batalha, o campo de batalha que lhe consumira a alma e lhe roubou parte da vida, aterrorizando os seus sonhos mais belos e reais que um homem poderia ter, pelo sangue que cruelmente por ele fora derramado, o sangue do inocente, e as lágrimas e amarguras que durante longos anos chorou piamente, longe de casa, longe da sua mulher e dos seus filhos que tanto amava. Mas combatendo ferozmente os inimigos de Esparta, ao lado dos seus homens que um a um pereciam para a sua eterna glória e de Esparta, e tal como Zeus e seus irmãos combateram impiedosamente os Titãs, que maléficos e desumanos governavam a terra na escuridão, onde apenas se conseguia vislumbrar as cerradas trevas que planavam sobre os céus outrora azuis, doirados de esperança, assim combateu meu pai.
Com apenas 37 anos foi nomeado pela Eclésia, o supremo general dos exércitos espartanos, a mais valorosa e distinta honra que um homem, nobre ou plebeu, poderia receber, e meu pai recebeu aquela honra, pela bravura e coragem com que audazmente combateu os inimigos de Esparta, recebeu-o pelas vitórias, que tantos homens e lágrimas lhe custara, recebeu-a pelas lágrimas que por eles derramou, por aqueles que desde o principio estiveram com ele e lutaram a seu lado por um ideal comum, e agora partem para juntos dos Deuses que os reclamam como seus filhos, deixando para trás uma vida terrena, de amargura e sofrimento mas também de alegria e esperança, por terem todos morrido pela causa mais justa e nobre do universo, defender Esparta até ao ultimo reduto, defender Esparta até ao último homem, defender Esparta até ao fim.
Mas, agora que os seus cadáveres alimentam a terra putrefacta, em tempos prometida, apodrecendo no chão enlameado pelo sangue derramado, entre as pontas seta partidas e as espadas enferrujadas, amontoam-se os corpos despidos de vida, de esperança e bem-querer, querer a vida e já não a ter, enquanto as mulheres encomendam as almas dos maridos, os filhos choram os pais perdidos, que de batalha em batalha pela infâmia do tempo são esquecidos.
Amontoam-se os soldados e os generais, como se fossem iguais, sem respeito, nem direito, acumulam-se os restos mortais de homens inocentes, como meros animais desprovidos de razão e justiça abraçam a manhã caídos nos campos de batalho, por lâminas e pontas de seta trespassados, pela brandura da morte são levados, num festim sem a razão devida, a morte aparece e a vida é esquecida.
Assim, se perdem os homens que merecem a vida eterna, e lutam pelo ideal justo e supremo do universo, assim se esquece quem morreu e não devia, assim se perde quem devia tudo a vida.
Mas apesar do poder e de todo o amor que o povo lhe dedicava, as intrigas abundavam, e a inveja atraía os que o desejavam prejudicar, o poder que com o suor do corpo ele atingira, tinha trazido o ódio de quem também desejava o poder, Esparta abundava em mentiras e vis intrigas, a nobreza desejava retirar meu pai do poder o mais rapidamente possível, de forma a evitar que ele se virasse contra eles e assumisse o poder, ditando a sorte da nobreza de Esparta.
Na noite mais escura e fria do ano, onde se confunde na escuridão as almas perdidas conduzidas por Hades ao mundo subterrâneo, e onde nem mesmo a lua reina no imenso céu, reuniram-se em assembleia no templo de Atenas os aristocratas de Esparta, e tal como uma serpente que entrar no ninho da águia imperial para devorar os seus filhinhos, assim entraram os fidalgos no templo divino para ultrajar o mais dedicado de todos os filhos de Zeus, meu pai. E tal como uma serpente, são capazes de se devorarem uns aos outros e a sua prole, só para chegar ao poder, e impedir outros (merecedores) de o alcançar, passando por cima de todos e de qualquer um, que se lhe abstenha ou faça frente, essa é a crueldade da perversa serpente, que devora o próprio poder e a alma do inocente, que por ela se vê corrompido.
Num silêncio quase sinistro que embalava a perversa noite, ouvia -se apenas com muito sofreguidão o respirar acelerado e quase morto dos que penetravam o templo de Atenas, as suas vestes brancas feitas de seda e bordadas com fios de ouro eram tapadas por rudes tecidos negros de linho, que escondiam a sua verdadeira identidade, mas o seu ar altivo e arrogante que descompunha a beleza da noite, mostrava o que eram na realidade.
No interior do templo de Atenas os nobres discutiam de seus assuntos, como se deveriam ver livres de meu pai, e como o fazer de maneira a não levantar a fúria do povo, como o fazer?
No meio da assembleia, que gritava a plenos pulmões como loucos em delírio, estava um homem, de rosto tranquilo e sereno, numa postura quase imperial, como se governasse o mundo, esse homem era Péricles, um nobre espartano, descendente de antigos ditadores, a sua família governara inclusive Esparta, durante vários séculos, no período negro da sua historia, mas tal como os seus antepassados, Péricles era um homem solitário e frio, ambicioso e sedento de poder, e tal como no passado ele desejava voltar a impor a ditadura em Esparta, e coroar-se seu rei, impondo a sua vil vontade ao povo que vivia na miséria, mas mesmo que tivesse na carestia da vida nunca o aceitariam como rei, o que decerto iria trazer de novo a guerra a cidade.
Num acto de desespero e loucura para salvar a vida e o futuro de Esparta, ele decidiu revoltar-se e subir ao poder instalando assim uma ditadura, mas os seus planos foram gorados, castas mais nobres pela antiguidade do poder e do dinheiro contra ele se levantaram, e o homem que o povo amava pelos feitos demonstrados em campo, foi preso e acorrentado, como um simples bandido.
Mas os nobres tinham medo! Medo de o libertar, não podiam correr esse risco, se o fizessem decerto ele iria de novo tentar uma revolta e desta vez com o apoio de todo o povo de Esparta, e iria de certo conseguir derrubar a nobreza que dominava e corrompida o brilho e esplendor de Esparta.
Mata-lo também não era uma alternativa a ter em conta, o amor que o povo tinha para com ele era enorme e só o facto de ele estar preso já prazia um evidente mal-estar a cidade, violentas manifestações e represália contra a nobreza despontavam por toda a cidade, havia um caos permanente e a nobreza temia uma revolução do povo, muitos nobres acabaram por ser executados, como uma forma de represália, para com a injusta prisão de meu pai.
Por fim, acusado de ter mandado assassinar vários nobres e de tentar usurpar o poder foi condenado a morte, mas o povo impediu tal evento, no dia da sua execução em praça pública, o tempo estava limpo e calmo, e as nuvens passeavam livremente pelo céu azul, mas o sol, esse não mostrava a cara, parecia envergonhado pelos actos profanos ali praticados. O tempo passou com o bater do coração, e o momento da execução chegara, o carrasco de cara tapada, com um trapo negro e rude, olhava confiante para os nobres de Esparta e em particular para Péricles, que lhe confiara este trabalho. No momento em que levantava o machado para cumprir a pena, a plebe invadiu a praça e de punhais em punho mataram o carrasco, os guardas controlaram a rebelião, levando no fim meu pai com eles para as masmorras.
Não sabendo o que fazer, os nobres reuniram-se de novo no templo de Atena, o medo perfumava o ar, povoando o imaginário de cada um deles, e eles tinham razões para isso, sabiam que a revolta estava por pouco e quando acontecesse a nobreza seria a sua primeira vitima, de forma a evitar ainda mais a revolta do povo decidiram que ele deveria ser votado ao ostracismo na Eclésia, mas em vez de 10 anos de exílio, decidiram que ele nunca mais poderia regressar a Esparta, sob pena de morte, os seus bens foram confiscados e redistribuídos pelos nobres que o votaram ao exílio.
Exilado e abandonado pelos seus, refugiou-se em Roma onde encontrou abrigo, mas nunca mais foi o mesmo, passou a amar tanto Roma como amava Esparta mas nunca perdoou aqueles que o tinham traído, jurando vingança até ao fim da sua vida.

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Foto de patyfragacorreia

Olá Carapeto, talvez eu o tenha opinado como melhor por ser fã da história de Roma, Esparta, Grécia e tudo relacionado aos primórdios de toda a cultura mundial. Mas ao ler seu texto, descobri muito mais do que uma forte sina que lvou-me a querer saber o que estava registrado neste conto, realmente você conseguiu fazer-me viajar pel floresta e acompanhara as emoções dos personagens.
Parabéns!
Paty Fraga

Paty Fraga

Foto de hawk

Seu conto é bem original, tudo que fala de lobos sempre me atrai...sobre a Antiguidade então....

Angela

Foto de neiaxitah

acho que nunca li um conto que me satisfizesse tanto... em todos os aspectos...

adorei.... amei.... idulatrei....

beijos*
A.C.

A.C.

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