Carne

Foto de Rosamares da Maia

O Amor

O amor,
Ah! O que é o amor?
Ah! Que droga é o amor.
Droga no sentido de sentir - literal,
Pior ainda, droga no sentido visceral.
Dor física mesmo quando não é carne.
Dor se o prazer realizado transborda.
Porque é a agonia do momento que foge,
Que lateja em seu corpo, ecoa e explode.
Dor em contrações, resultado do prazer.
O amor tortura o espírito com dúvidas,
Ciúmes que amiúda e aniquila a dignidade.
E quando é ausência espalha, espelha maldade.
Mas, engana-se quem pensa que é apenas um.
O amor tem múltiplas formas para a tortura.
A Estação na despedida de um filho,
A sepultura, derradeiro adeus a um pai.
São idas e vindas por ele impulsionadas.
Razões, contrarrazões, batalhas, umas por nada.
Morte que defende a vida, uma alma que cai.
Lógica absurda é por amor ter que causar dor.
E o amor tem muitos irmãos e irmãs:
Dor, tristeza, despedida, ódio que é irmão gêmeo.
Todos plantados no terreno fértil do coração
Mas, espere...
O amor tem como irmãos a Humanidade,
Que gera a esperança, a bondade, os sonhos.
Temos também, a felicidade, a boa saudade,
Nasce a alegria, renasce a fraternidade,
E a paixão? Ah! A paixão!
Encantamento tolo dos enamorados, desvairados.
Ah o amor! Tem a dor gostosa de partir e esperar,
Esperar o retorno, a volta do Ser amado,
A poesia dos versos pelos cantos, suspirados.
A soma do amor e dor fazem eclodir vida,
Estão juntos sintetizando o processo da criação,
Como a ostra que processa em suas entranhas areia.
Da sua dor surgirá a pérola, joia da sua gestação.
Ah o amor! Quanta dor eu já senti.
Mas quanto prazer através dele eu vivi.
Quero a vida a doer até o último momento,
Dor pior é o vazio da ausência deste sentimento.

Rosamares da Maia

Foto de Jardim

chernobyl

1.
sons de violinos quebrados vinham das montanhas,
uivos de lobos noturnos,
varriam as imagens das imaculadas ninfas
enquanto se ouviam as vozes dos náufragos.
o príncipe das trevas desceu disfarçado de clown,
bailava num festim de sorrisos e sussurros.
a nuvem envolvia a cidade com seus círculos febris,
se dissolvia nas ruas em reflexos penetrantes,
coisa alguma nos rios, nada no ar e sua fúria
era como a de um deus rancoroso e vingativo.
a morte com seus remendos, oxítona e afiada,
distribuía cadáveres, penetrava nos ossos, na pele,
nos músculos, qualquer coisa amorfa,
alegoria da inutilidade das horas.
agora este é o reino de hades
os que um dia nasceram e sabiam que iam morrer
vislumbravam o brilho estéril do caos que agora
acontecia através del siglo, de la perpetuidad,
debaixo deste sol que desbota.
o tempo escorre pelos escombros,
o tempo escoa pelos entulhos de chernobyl.

2.
meu olhar percorre as ruas,
meus passos varrem a noite, ouço passos,
há um cheiro de sepultura sobre a terra úmida,
um beijo frio em cada boca, um riso
estéril mostrando os dentes brancos da morte.
não foram necessários fuzis ou metralhadoras.
mas ainda há pássaros
que sobrevoam as flores pútridas.
aqueles que ainda não nasceram são santos,
são anjos ao saudar a vida diante da desolação
sob este céu deus ex machna.
aos que creem no futuro
restaram sombras, arcanos, desejos furtados,
resta fugir.
uma nuvem de medo, ansiedade e incerteza
paira sobre o sarcófago de aço e concreto da usina.
asa silente marcando o tempo
que já não possuímos.
pripyat, natureza morta, vista através das janelas
de vidro dos edifícios abandonados
sob um sol pálido, ecos do que fomos
e do que iremos ser.
pripyat, ponto cego, cidade fantasma,
os bombeiros e suas luvas de borracha e botas
de couro como relojoeiros entre engrenagens
naquela manhã de abril, os corvos
seguem em contraponto seu caminho de cinzas
sob o céu de plutônio de chernobyl.

3.
e se abriram os sete selos e surgiram
os sete chifres da besta,
satélites vasculham este ponto à deriva, seu nome
não será esquecido, queimando em silêncio.
os quatro cavaleiros do apocalipse e seus cavalos
com suas patas de urânio anunciam
o inferno atômico semeando câncer
ou leucemia aos filhos do silêncio.
os cães de guerra ladram no canil
mostrando seus dentes enfileirados, feras famintas,
quimeras mostrando suas garras afiadas,
como aves de rapina, voando alto,
lambendo o horizonte, conquistando o infinito.
eis um mundo malfadado povoado por dragões,
a humanidade está presa numa corrente sem elo,
sem cadeado, enferrujada e consumida pela radiação.
vidas feitas de retalhos levadas pelo vento
como se fossem pó, soltas em um mundo descalço.
vidas errantes, como a luz que se perde no horizonte,
deixam rastros andantes, vidas cobertas de andrajos,
grotescas, vidas famintas e desgastadas,
que dormem
ao relento nas calçadas e que amanhecem úmidas
de orvalho, vidas de pessoas miseráveis,
criaturas infelizes, que só herdaram
seus próprios túmulos em chernobyl.

4.
mortífera substância poluente, complexa,
realeza desgastada que paira nos ares
da pálida, intranquila e fria ucrânia
envolta no redemoinho dos derrotados.
gotas de fel caindo das nuvens da amargura,
sobre a lama do desespero, sobre o vazio
da desilusão, no leito do último moribundo.
cacos, pedras, olhos mortiços, rastros cansados,
inúteis, o sol das estepes murchou as flores
que cultivávamos, descolorindo nossas faces.
seguem os pés árduos pisando a consciência
dos descaminhos emaranhados da estrada,
na balança que pesa a morte.
no peso das lágrimas, que marcaram o início da dor,
restos mortais, ossos ressecados, sem carne,
devorados pela radiação, almas penadas
no beco maldito dos condenados, herdeiros
da abominação, mensageiros da degradação,
horda de náufragos, legião de moribundos.
o crepúsculo trouxe o desalento e as trevas, a vida
agora é cinza do nada, são almas penadas que fazem
a viagem confusa dos vencidos em chernobyl.

5.
ainda ouvimos os gritos daqueles que tombaram,
e os nêutrons sobre a poeira fina dos vales,
os pés descalços sobre pedras pontiagudas,
ainda ouvimos o choro das pálidas crianças,
a fome, a sede e a dor,
o estrôncio-90, o iodo-131, o cesio-137.
vazios, silêncios ocos, perguntas sem respostas,
degraus infernais sobre sombras, rio de águas turvas,
quimera imunda de tanta desgraça,
fantasia desumana sem cor,
transportas tanto mal, conduzes a todos
para a aniquilação neste tempo em que nada sobra,
em que tudo é sombra, é sede, é fome, é regresso,
neste tempo em que tudo são trevas,
onde não há luz.
cruzes no cemitério, uma zona de sacrifício,
sob um céu sem nuvens,
a morte em seu ponto mutante.
no difícil cotidiano de um negro sonho,
restaram a floresta vermelha,
e os javalis radioativos de chernobyl.

Foto de Rosamares da Maia

Sabedoria de Sobrevivência

Sabedoria de Sobrevivência.

A sabedoria era como ela, Rosa singela,
Dobrada, matreira, de cheiro português,
Aroma dos gostosos assados do Porto.
Saber de Rosa mulher e disfarce de flor.
Na Terra nova misturou outros aromas,
Descobriu o doce de abobora com coco.
Aprendizado moreno de cravo e canela.

A minha viagem mergulhou no tempo,
Nos sabores dos cheiros e temperos.
A minha visão tem gosto e ainda é clara!
Tem brasa ardendo no fogo de lenha.
Tacho e tampa de ferro, panela de barro.
Sabedoria de quem sabia inventar, somar,
Multiplicar o pouco que havia no dia a dia.

Na memória coze o ensopado no fogão,
Carne seca, tomate camboinha e mamão.
Sabor de folhas plantadas no terreiro,
Parreiras de chuchu e maracujá.
Saladas e saudade, almeirão e alface verdinha.
Sabedoria de remendo no ralado dos joelhos
Tosse curada com saião e chá de sabugueiro.

No verão, banho na tina de madeira,
Bucha natural colhida na cerca de bambu,
Sabão de coco e sabonete Cinta Azul.
Ave Marias solitárias no silêncio da tarde,
Oração, devoção, fé e simplicidade.
Sabedoria de subsistência – sobrevivência,
Família e fraternidade – casa de minha avó.

Rosamares da Maia – 10/ 2016.

Foto de Arnault L. D.

Fora do Prazo

Se houvesse, amor ausente,
uma trégua para nós,
eu iria estar contigo,
lhe traria um presente...
Novamente o mundo a sós
abrindo espaços sem perigo.

Poderia ser a natureza,
que impele aos desejos,
impele a fazer promessa,
pele arrepia sem defesa
à eminência dos seus beijos,
em que a volúpia se confessa.

No ruborizar do rosto,
na língua o gosto tão bom
que seu corpo inteiro aboca.
Que ao si provar exposto,
espontâneo feito um dom
transcende-me a fome louca.

De alimentar-me a alma
da sua carne, que saliva,
até o soluçar do gozo
e o êxtase pousar a calma.
E não mais posto a deriva
retornaria... ao lar ditoso.

Foto de Arnault L. D.

Sementes nos bolsos

Eu trago sementes no bolso,
nos lábios, alguns assovios.
Acordes abertos e esparsos
das músicas que à mente ouço.
Soam preenchendo os vazios
do cotidiano que esgarço.

Na guitarra, as notas trago,
que ainda não foram tangidas;
na língua o sabor das palavras,
sal, açúcar, acidez, que trago
dos falares e nas bebidas
no degustar do corpo trava.

Preso de mim, em mim se encobre.
No potencial sem uma trilha.
Sou um desconhecido íntimo,
minha fina pele a carne cobre.
O espelho d água o céu espelha,
e o céu lhe guarda a profundidade...

Mergulhado, imerso as entranhas,
nos bolsos a vestir as mãos.
Olhando nas poças o luzir esboços,
assoviando canções estranhas,
desconhecidas, e minhas são.
Eu trago sementes nos bolsos.

Foto de Jardim

te busco em todas as outras

te busco em todas as outras
no áspero, sinuoso rio dos abraços.
às vezes vejo tuas mãos
outras são teus pelos, outras
teus lábios iguais ao teu sexo.
a vida explode
por todas as frestas da cidade:
pernas, bocas, seios, bundas.
sou apenas carne e osso.

como era teu nome?
helena, vera
sara, daniela?

perdeu-se na desordem
de tantas noites e tantos dias,
perdeu-se na enxurrada
dos acontecimentos.

que importa um nome
a esta hora da noite?
que importa um nome
sob este teto
diante dos copos e talheres
e lâmpadas e torneiras?

quanta coisa se perde
nesta vida,
este deslumbramento que me conduz
por avenidas e vaginas
a me consumir
em noites subterrâneas.

caminhavas comigo
por esquinas de assombro,
teu fogo perpétuo
aguardando que o dia viesse
enquanto nos perdíamos
em sorrisos, em carícias,
em conversas, no amor
feito sem pressa.

desvelo, promessas,
e os carinhos mais doces
e mais devassos a explodir
no centro de tuas coxas,
no profundo de tua noite ávida.

gosto de orelha e de vagina
em minha boca,
língua no cu,
nos pentelhos.
sua maciez chegava
voando por sobre o instante,
por sobre o mar, por sobre o fumo,
sobre a primavera,
quando colocavas
tuas mãos em meu peito
como duas asas.
quando tuas mãos tocavam as minhas
se detinham
como se muito antes
já as tivessem tocado,
como se antes de aqui estar
já houvessem chegado.

nesta cama, selvagem e doce,
eras entre o prazer e o sonho,
entre a fúria e a calma.
ainda quando não existias
eu já te buscava,
buscava em tua boca
o sabor de tua íntima vida.

longe de ti
sigo pulsando como um relógio
entre automóveis e motos ,
entre outdoors,
nos shoppings,
nos bares,
pulsando no meio da noite.
sob o sol, sob a chuva,
debaixo das roupas,
debaixo da pele.

que importa um nome?
posso te chamar nuvem.
posso te chamar horizonte.

Poema do livro Amores Possíveis
A venda em http://sergioprof.wordpress.com
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Foto de Sonia Delsin

A MORTE

pai, eu acreditava nela
e a temia
temia te perder
...
Deus!
eu não conseguia entender
que não existe o “morrer”
...
pai, naquele instante que partiste
eu fiquei tão triste
não percebi que do teu corpo de carne
apenas te despiste
...
precisei estudar, precisei refletir
precisei começar a entender o “existir”
...
então meu pai
eu voltei a sorrir
...
sinto hoje que tu estás tão perto de mim
tantas vezes sinto que acompanhas o meu olhar pelos jardins do planeta
tem horas que me fazes careta
e me sorris docemente
tuas energias me acompanham
antigamente eu chorava quando finados chegava
agora não
eu apenas faço uma oração
e peço ao Pai Eterno que ela chegue para ti como um conforto
pai, nunca estiveste morto

Foto de Oliveira Santos

Soneto póstumo

O tempo de se haver sobre esta terra
É repleto de incertezas, enigmático
É caótico, imperfeito, vão, é trágico
Fustiga o coração quando se encerra

O tempo de se haver sobre esta terra
Até que a Parca corte o fio do destino
E a partida cause aos seus um desatino
Seja ela imposta pela paz ou pela guerra

Celebrem os momentos sorridentes
As lembranças graciosas, tão queridas
Nos quais todos reconfortam suas mentes

Pois o pranto em frente à carne combalida
Entre soluços e lamentos dos viventes
Não são a glória de quem já deixou a vida

Foto de Ivone Boechat

Mulher

Um aroma suave
exalou das mãos do Criador,
quando seus olhos contemplaram
a solidão do homem no Jardim!
Foi assim:
o Senhor desenhou
o ser gracioso, meigo e forte,
que Sua imaginação perfeita produziu.
Um novo milagre:
fez-se carne,
fez-se bela,
fez-se amor,
fez-se na verdade como Ele quer!
O homem colheu a flor
beijou-a, com ternura,
chamando-a, simplesmente,
Mulher!

Ivone Boechat

Foto de carlosmustang

PRANHAMUNDAS

Linda linda tão minha deusa sabe
A veneração que esse humilde ser exerce por ela
Ao ponto de uma nuvem subir, e beija-la linda
Venerada existência sagrada mãe

Vênus de milhões, amada, admirada
Emulada essa terra há de ser
E planetas sucumbidos, vão fluir
Ressurgirão beijos, oportunidades de existir

Preciso desse modo pra Ti, oh venerado fruto
E o escarnio triste de existir aos berros
Venerada sincera, eu louco permaneço ao brado

Contanto, minha carne tocada por Ti
Permaneço fiel, tão belo sentir-te aqui
E correndo e vivendo feliz

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