Maioria

Foto de Sonia Delsin

LIXO PERIGOSO

LIXO PERIGOSO

Quem é que não gosta de um celular novinho em folha? A tecnologia está avançando cada vez mais e o que era apenas um telefone móvel agora tem tantas outras utilidades.
Tudo bem. Eu também tenho o desejo de ter um mais bonito, com mais opções. Acho normal, é atraente, bom de se usar.
Muitos de nós estamos guardando os descartados.
O que fazer com eles?
Será que as pessoas têm noção do perigo que é para a natureza e para o homem um celular jogado no lixo?
Será?
A natureza está sendo extremamente agredida e tudo me faz crer que o será cada vez mais.
Sei que existem muitas pessoas esclarecidas, que a maioria de meus leitores têm conhecimento dos danos que um celular jogado no lixo pode causar, mas sei também que existem tantos desinformados.
Vi hoje na TV Globo uma reportagem dizendo que existem operadoras que recolhem celulares e descartam de forma segura as baterias e os recicla.
Mas quantos já não foram jogados?
Escrevi esta crônica apenas como um alerta. Tenho sempre grande vontade de ajudar a preservar nosso lindo planeta.
Que é um lixo perigoso é...e pelo jeito que as coisas vão muitos celulares novos serão vendidos e muitos ficarão em gavetas, quando não irão parar em lixeiras...
Vamos pensar nisso.

Foto de Lou Poulit

O PORCO-ESPINHO DE ESTIMAÇÃO

CONTO: O PORCO-ESPINHO DE ESTIMAÇÃO

Plac, plac, plac... plac-plac... O relógio antigo pendurado na parede encardida do escritório sequer fazia o tic-tac comum e implacável, com o que qualquer relógio de corda tenta destruir os nervos dos ansiosos. No entanto muito pior, era a impressão de que ele movia o ponteiro mais lentamente, à medida que se aproximava a hora de ir embora.

Plac, plac, plac... plac-plac... Era sexta-feira e fim de mês, mas o salário, que já estava no bolso do Filé, não pagaria as dívidas, nem mesmo todas as despesas normais do mês. Por que então não gastar uma parte, para se divertir um pouco? Depois de um mês inteiro catando milho naquela máquina, datilografando guias carbonadas nas quais era proibido haver uma rasura sequer, isso parecia muito justo. Só que era preciso esperar o maldito relógio apontar a hora de parar.

O Filé, como era amigavelmente tratado no trabalho, era um homem infeliz porque pensava não ter expectativas para a sua vida. Pegar o trem de volta para casa era uma alternativa absurdamente sem graça. Fizera isso o mês inteiro. O cardápio seria o mesmo, assim como as cobranças do senhorio e da mercearia. E da sua mulher, com o sorriso escasseado pela vida dura e fartos depósitos de gordura pelo corpo, ele não poderia esperar nem um lapso de desejo, felizmente. Naquela sexta-feira, pensar em fazer sexo com sua mulher era impensavelmente proibido. Durante o mês inteiro ela o proibira disso e daquilo. Agora era a sua vez de mostrar que também tinha o poder de proibir. Ao menos isso.

Não. Não e não. Naquela noite, assim que o miserável relógio se dignasse a apontar o fim do expediente, ele sairia sem rumo e sem destino. Queria ser o que todo mundo parecia se orgulhar de ser: um cidadão comum, numa cidade comum, sob regime capitalista comum, sem que tivesse que fazer para isso algum esforço incomum. Ora, só queria ter a impressão de que as notas no seu bolso, faziam dele alguém importante, ou pelo menos alguma coisa. Ansiava por julgar justificada a tortura diária de fazer aquele mesmo serviço durante o mês todo. Filé tinha sempre a sensação de ser consumido, agora queria consumir um pouquinho, ser servido, assediado para comprar algo e ter o inusitado prazer de dizer que “não, muito obrigado”, mas não por dissimulada incapacidade. Queria dizer não porque não, e pronto, já que passara o mês dizendo sim. Estava assim determinado a fazer apenas algumas das coisas que todo mundo faz naturalmente. E só poderia fazer isso naquela sexta-feira pois no sábado estaria de novo nas mãos da mesmice.

O Filé sentiu um friozinho na espinha quando o chefe passou pelas suas costas e com um tapinha no ombro autorizou o fim do serviço, segundos antes do relógio. Enfim, ali renascia o rapaz viçoso por cujo sorriso, noutros tempos completo e carnudo, a mulherada perdia a compostura. Não era rico, longe disso, mas se vestia bem e usava algumas pulseiras douradas, além de um grosso cordão, onde se via sempre uma medalha com o triângulo maçônico, cujo significado Alfredo desconhecia por completo, mas tudo fantasia. Sua aparência, somada ao sorriso de quem não tinha dívidas ou qualquer outra preocupação, era o suficiente para que conseguisse a maioria das coisas que desejava. O que na verdade não era muito, porque seus desejos tendiam a uma certa proporcionalidade, em relação à sua, digamos, sintética compreensão do mundo. Alfredo era um rapaz feliz, ironicamente, porque não tinha grandes expectativas.

Filé passou pelas portas do escritório e da entrada do prédio sem deixar de cumprimentar uma única pessoa. Já na rua, passou a se comportar como um respeitável senhor. Não quis entrar em nenhuma condução. Como ainda não sabia para onde estava indo, o melhor era andar pelas calçadas, assim poderia parar em frente às vitrines, e esperar que alguma atendente jovem e gostosa viesse lhe oferecer o seu melhor sorriso. Durante todos os demais dias do mês isso não aconteceria, a menos que estivesse no caminho de alguma daquelas evangélicas, que saem em grupo pelas ruas vendendo revistas de igreja e oferecendo a salvação das almas, ou o inverso, como acreditava o Filé. Logo uma vendedora veio de dentro da loja. Não lhe pareceu tão bonita quanto esperava, mas era razoável. A noite estava começando.

Satisfeito por não ter cedido à tentação das vendedoras que encontrou pelo caminho, que até pediram cartão de visitas e número de telefones para futuras compras, depois de percorrer quatro quarteirões encontrou uma boate do lado oposto da rua. Chegou a parar para atravessar dali mesmo, porém viu entrar e sair da casa pequenos grupos de homossexuais e decidiu que devia aplicar melhor seu rico dinheiro, tão arduamente conseguido. Voltou às vitrines. Ainda era cedo para ele, mas a maioria das lojas já estava fechando as portas. Sem problemas, disse a si mesmo, de qualquer forma não pretendia comprar coisa nenhuma. Mas se não teria mais belas e jovens atendentes para lhe sorrir na porta das lojas, então teria que procurá-las noutros lugares. Não haveria de ser tão difícil. Nos quarteirões próximos decerto as encontraria.

Logo adiante, Alfredo passou por uma bela moça, que parecia esperar pelo namorado, encostada num poste de luz. Não... Pensando bem, não podia ser isso. A mulher parecia uma vitrine ambulante. Estava vestida e postada de modo a oferecer partes suas que, pelo jeito, julgava mais ao gosto popular, e só faltava mesmo uma plaquinha em algum lugar, para indicar o que houvesse ali a preço promocional. Além do mais, estava lhe sorrindo com o mesmo ar de sem-decepções que acabara de ver nos rostos das vendedoras nas lojas. Ah, então ela está a fim de um programinha... É bonita demais – pensou – é perfeita. Nem sua mulher, quando era novinha, era tão perfeita. Ora, por que fora se lembrar dela justo agora? Era como se a lembrança da mulher, de tão concreta, lhe empurrasse pelas costas em direção à garota. Mas assim, tão bonita, com certeza lhe custaria os olhos da cara.

Ei, gostei de você... – Filé falou de mal jeito, pois já nem se lembrava direito como se fazia isso. Ela fez que não o ouviu, e ele remendou perguntando: Quanto custa o chorinho?... Para alguém que pergunta como um extra-terreno é bem mais barato – Respondeu a mulher simpaticamente, fazendo graça... Mais barato quanto?... Depende do que você quiser fazer... Como assim? Tem algum tipo de tabela de preços? – Tentando repetir seu velho e irrecusável sorriso – Tem alguma coisa em promoção?... A mulher não gostou muito, clientes que pedem promoção no início da noite são, no mínimo, idiotas. Entretanto, ela resolveu propor um preço intermediário. Derrubaria esse cliente rapidamente, pensou ela, e depois arrumaria mais dinheiro com outro. Mas como mesmo aquele preço mais barato era inviável para o Filé, ele lamentou com muita sinceridade. Quando virou as costas, ela propôs outro menor e logo um outro ainda mais barato, todos recusados. Filé a ouviu dizer a certa distância que fosse à merda, mas nem se importou. Estava dividido. Dessa vez não tinha sentido prazer em dizer que não. Aquela mulher era realmente muito bonita e ele seria capaz de uma verdadeira loucura, se fosse para tê-la só para si... Quem disse que ela aceitaria? Paciência – confortou-se – a noite é uma criança...

Filé prosseguiu em sua caminhada. Mais uma última vez olhou para trás e ela ainda estava lá, na mesma posição, no mesmo poste de luz. E para se recolocar no lugar de quem decide ele disse à meia-voz: É apenas uma puta... Havia muitas na região em que estava, uma espécie de centro com muitas casas de diversão para homens que tivessem algum dinheiro. Uma cerveja! Sim, para matar a sede que já se fazia sentir. Atravessou a rua e passou por uma vitrine redonda, engastada na parede, onde haviam fotos de streepers. Poderia entrar naquela. Eram todas mais ou menos a mesma coisa.

CAPÍTULO II

De início, o ambiente era escuro demais para que o Filé pudesse identificar o que havia dentro da boate. Mas dava pra ver onde era o balcão do bar e lá ele resolver ficar um pouco, até que sua visão se adaptasse à brusca mudança de luz. Pediu um caneco de cerveja com o tom de uma ordem, foi prontamente servido e bebeu o primeiro todo de uma só vez. Estava com sede por causa da caminhada, mas também queria impressionar. Sabia que durante alguns minutos, embora ele não pudesse observar as pessoas com muita clareza, estaria sendo observado pelas mulheres que já se encontrassem lá desde antes, à espera de um cliente. O espaço era pequeno e o condicionador de ar mantinha a temperatura mais baixa do que ele gostaria. Apontou para uma marca de conhaque que conhecia e, servido, percebeu que já era possível enxergar algumas mesas vazias. Tomou a bebida e levou outra dose para uma daquelas mesas, escolhendo a que estava mais ao canto.

Em alguns minutos já havia desprezado vários olhares. Havia ali mulheres de vários tipos, para muitos gostos, sendo naquela casa a maioria composta de mulatas bundudas. Uma das mulheres lhe chamava mais a atenção, uma loira alta e carnuda, porém ela sequer olhava pra ele. Irritado com o que lhe parecia uma falta de consideração da tal mulher, o Filé chamou uma das meninas e mandou que levasse um recado seu. Precisou esperar por longos minutos, mas enfim a mulher levantou-se e veio ao seu encontro, sentando-se no lado oposto da mesa sem cerimônias. Ao chegar trouxera o mesmo sorriso de sem-decepções e, antes que ele o perguntasse, foi logo adiantando o seu preço para o serviço mais rápido, um boquete à queima-roupa. Ele balançou a cabeça positivamente, mas começou uma conversa qualquer. Queria beber mais e ganhar tempo para criar algum clima. Ela preferiu cerveja e Filé mandou que trouxessem para si próprio a garrafa de conhaque.

Dizendo se chamar Paula e mantendo uma aparência de interesse profissional, a mulher aceitou a tal conversa qualquer, mas a partir de certo ponto encurtou a distância e começou a tocá-lo, pegando em sua mão. Ela tinha um hálito forte de bala sabor eucalipto e palavras doces que, entretanto, não dissimulavam o timbre de voz surpreendente, encorpado demais para uma mulher tão bela. O Filé, que se sentia o dono da situação e mantinha um ritmo de goles acima do hábito, tinha a sua capacidade de avaliação já comprometida. Estranhou apenas que ela o tocasse com força e, depois, que suas mãos eram de fato grandes e fortes. Começou então a pensar, que aquela também não era a mulher ideal. Ela bebia muito pouco e, a julgar pelo tamanho do corpo e pela robustez das mãos, caso tivesse que pegá-la à força teria muita dificuldade. Contudo, como já estava mesmo gastando o seu parco dinheiro, era preferível que não fosse em vão.

Com o andar da conversa Filé foi se sentindo cada vez mais pressionado. A doçura inicial cedera lugar a palavras sempre mais impositivas e isso dava a ele a frustrante impressão de que ela estava no comando das ações. Em contra-partida, as suas coxas eram irrecusáveis e ele não resistiu à tentação de pegar nelas ali mesmo. Podiam estar melhor depiladas, porém ele estava perto demais do que pretendia, e não quis recuar. E foi chegando a mão, até que ela o interrompeu e decidiu: Vamos subir, tem um quarto lá em cima esperando por nós. O homem olhou para a escada, que lhe pareceu muito longa, mas normal para uma casa de sobrado como era aquela, e concordou.

Passaram por um corredor escuro, estreito e curto, no alto da escada, e depois por outro maior. De ambos os lados, vários espaços, separados por placas prensadas à guisa de biombos, eram destinados aos amantes com um mínimo de estética e conforto, e sem janelas. Impaciente com a lerdeza etílica dele, Paula o puxava pela mão. Filé parou de repente, se esforçando para conter aquele trem, e perguntou para onde estavam indo. Tenho um quartinho logo ali, só para clientes especiais – ela explicou. Ele achou razoável, pois uma mulher com tanto comprimento não caberia mesmo num daqueles cubículos. Subiram mais dois lances curtos de escada, numa passagem de penumbra que cheirava a forro de telhado, e finalmente Paula abriu a porta do tal quarto. Era apenas um pouco maior que os demais. Como ventilação, o que poderia fornecer um basculante de dois palmos, uma cama e um criado-mudo, uma mesa de bar com duas cadeiras, pregos nas paredes serviam de cabide e uma lâmpada pequenina, a mesma que iluminava uma pequena imagem de Santa Joana D’Arc, colocada no alto, acima da cabeceira da cama.

A sós com aquele mulherão, o Filé devia estar feliz. Tão perto dos seus atrativos, devia estar muito excitado. Prestes a consumar o seu plano, devia jogá-la na cama e obrigá-la a fazer todas as suas vontades, sem avisos ou ponderações, e com todas as concessões. Entretanto, ficou ali mesmo, parado como um bichinho indefeso esperando o bote do predador á sua frente. A mulher desistiu de esperar pela iniciativa dele e foi para cima. Empurrou o Filé para a cama e começou a lhe tirar a camisa, com pouca ou nenhuma delicadeza. Aceitando o pega aqui e espreme ali, o homem chegou rapidamente a duas conclusões pouco desejáveis: primeiro que ela era musculosa e dura demais, o extremo oposto da mulher passiva à qual estava acostumado, e segundo, que estava por demais armada entre as pernas!...

Que isso, mulher... Isso é um assalto? – Perguntou ele com o seu sorriso mais tímido... Não, meu amor, é só uma brincadeira que nós vamos fazer... Que brincadeira?... Meinha, amor... Que estória é essa de meinha?... Assim ó, primeiro você, pode até esculachar que eu topo, mas depois será a minha vez... Pode parar que eu sou macho – garantiu o Filé, tentando parecer bravo e definitivo... Mas Paula ajoelhou-se na cama e, muito convincentemente, arrancou de um só golpe o próprio vestido. Depois disse com inacreditável doçura: E daí, meu amor? Eu também sou, olha aqui ó... Não senhor! Então você quer me comer, seu viadão?... Não amor, só o seu pintinho medroso...

O que se seguiu foi um verdadeiro pandemônio, um arranca-rabo que não poderia caber num espaço tão exíguo, com o fundo sonoro dos gemidos do estrado e das juntas da cama. Sobretudo, não havia espaço para escapar! Pequeno, magrelo e bêbado, o Filé esperneava e dava coices, suas mordidas pareciam inúteis. Pensou em gritar por socorro, talvez alguém o escutasse, mas achou que isso seria vergonhoso demais para um macho com passado glorioso. Para aumentar seu desespero, embora procurasse não conseguia saber exatamente onde estava a porta, cuja face interna era pintada com a mesma tinta da parede. Com tanto pega, estica e puxa, veio enfim o cansaço, o esgotamento precipitado pelo álcool, e uma grande e desesperadora perda de esperança. O homem era muito mais forte e o Filé sentiu os olhos embaçarem, eram as suas lágrimas, que não podia mais conter. Sentiu-se bruscamente levantado pela cintura e posto de quatro na cama. Esperou o golpe de misericórdia. Mas este não veio.

Inexplicavelmente, a imagem da incólume Santa Joana D’Arc havia despencado do seu dossel. Surpreso, Paula a pegou com desesperado carinho, e depois sentou na cama com tal desgosto, que o estrado já alquebrado não suportou e desabou, levando os três para o chão. O Filé já não estava mais tão bêbado que não pudesse entender a raríssima oportunidade que estava tendo. Lembrou-se ainda de pegar a sua camisa, e para escapou daquela bicha enorme, esparramada no que sobrou da cama, achou a maldita porta camuflada e foi-se embora, escorregando nos degraus escuros, segurando as calças à meia-bunda. Aos trancos e barrancos, passou pelos largos homens da segurança e ganhou afinal a rua. Estava ofegante, mas aliviado. Poucas vezes na vida sentira um tamanho alívio.

CAPÍTULO III

Depois de andar mais alguns quarteirões, sempre olhando para trás porque havia saído sem ter pago a ninguém, a garganta novamente secou e o Filé escolheu um bar qualquer para beber alguma coisa. Entrou sob os olhares desconfiados dos que estavam bebendo no balcão, e teve de passar por todos eles, porque o bar era comprido e estreito, só havendo uma vaga no final. Lá também haviam várias mulheres, mas àquela altura todas lhe pareciam suspeitas.

Ali foi bebendo, sem prestar atenção às conversas dos outros que, entretanto, queriam que participasse e volta-e-meia perguntavam sua opinião sobre uma coisa qualquer. Eles não sabiam, mas o Filé ainda não se recuperara do susto e sua falta de sorte podia estar teimando, querendo mais. Além do que, nesse bar não havia nem um calendário com a figura de Santa Joana D’Arc! Junto à caixa registradora, até havia um calendário, mas o Filé não sabia de que santo era. E disse a si mesmo que se ele não conhecia o santo, com certeza a recíproca era verdadeira. Como se não bastasse, aquele santo, em vez de estar num dossel, estava num pregador metálico dos grandes. Não dava pra acreditar que o tal santo fizesse tamanho esforço por um desconhecido.

Na verdade, o pessoal do balcão queria trazê-lo para a conversa porque a conta já estava alta. E tanto fizeram, que o Filé sentiu-se à vontade para dar uma curta opinião a respeito da questão em pauta: um jogo de futebol. Foi o suficiente, já estava dentro. Assim, pediram mais bebida e algum tira-gosto. Agora já gostavam do Filé, que soltava cada vez mais. Achavam que ele entendia tudo de futebol e não economizava palavras, empolgava-se e seus argumentos deixavam a todos convencidos. Porém, de repente, o assunto mudou para mulheres boas de cama. Então a performance do Filé mudou, não queria falar sobre isso. Falou apenas para defender a sua opção sexual, posta em dúvida por brincadeira e tão infeliz coincidência. No mais se calava, comia e bebia, mais dedicado aos seus próprios pensamentos do que à conversa.

Lá pelas tantas, alguém sugeriu um jogo de palitos para decidir quem pagaria a conta. Filé gostou da idéia, pois na purrinha ele se garantia. Contudo a idéia foi derrubada pela maioria. O bar era de um velho senhor, que entregava toda a responsabilidade a seu filho adotivo. Tinha plena confiança nele, havia tirado o negrinho da rua. Ele sabia que tinha sido abandonado à própria sorte pelos pai e era de devotada gratidão ao velho. Porém não era mais o moleque franzino que vivia de esmolas e pequenos furtos. O negro agora era um homem grande e falava grosso, para quem quisesse ouvir.

Olha aí, pessoal, deu só isso aí. Já dividi e a cota de cada um está no avesso. Mas vocês já sabem que aqui não vale cartão, quero grana, dinheiro vivo... Num pedaço de papel, rasgado de algum pacote de cigarros, estava uma discriminação incompreensível do total. O Filé resolveu protestar, pediu que o negro explicasse a conta e o homem torceu o beiço: Mas tu é marrento, heim... Todos ali sabiam que o Filé tinha a sua razão, mas o negro tinha fama de encrenqueiro e ninguém queria passar a noite na delegacia. A maior parte deles concordou, sem saber se a conta estava certa, e o Filé teve que se conformar. O dinheiro que tinha dava para pagar a sua cota, mas faria diferença mais na frente, ainda queria andar para achar uma mulher que valesse à pena.

Esgotadas as escaramuças, todos meteram a mão nos seus bolsos sob o olhar satisfeito do negro. Em princípio ninguém percebeu, porém o Filé não estava nem ali, ou preferia não estar. Sua mente vasculhava desesperadamente a memória recente, em busca de uma pista. Por eliminação de todas as possibilidades restantes, a dedução parecia certa: Aquele viado da boate, bateu a minha carteira! Eu devia ter imaginado, lógico, por isso me deixaram escapar e nem vieram atrás de mim. E agora? Sem a grana da cota da despesa e sem santinha... Achou que tivera mais sorte antes, pois lá seria apenas um! Só de olhar para o negão, já dava vontade de sair correndo. Era o que queria fazer, mas com toda aquela gente entupindo o corredor do balcão... Lembrou-se do mictório, talvez lá houvesse um basculante por onde pudesse escapar. Foi até o fundo do bar, mas logo viu-se frustrado. Era apenas um cubículo. Além de não haver nele nenhuma passagem além da porta, sentiu-se mal ali. Era inseguro demais, muito menor que o quartinho da boate. Estreito como um curral de matadouro, era o lugar ideal para o negão demonstrar a sua imensa generosidade.

Não havia outra esperança, teria muito o que correr, se conseguisse chegar até a calçada. Como esperava, ao abrir a porta do mictório para sair, deu de cara com um olhar terrivelmente coletivo. Feita e refeita a soma do pagamento, faltava exatamente uma cota e só podia ser do cotista ausente. Eu já sei que vocês não vão querer acreditar, mas roubaram a minha carteira... – O Filé optou por ser sincero. O mais velho dos cotistas, tentando ajudar, sugeriu que ficasse para limpar pratos e copos. Porém o negro tinha uma outra alternativa: Não... Tenho aqui uma coisa pra ele deixar bem limpinha...

Prevendo o que estava para acontecer, uma senhora levantou-se de uma das mesas enfileiradas junto à parede e pediu que deixassem o pobre-coitado, e que ela pagaria a parte dele. Ninguém quis acreditar, muito menos o Filé. Ele olhou a negra velhinha de cima a baixo e pensou em recusar a ajuda, mas depois se lembrou de que não tinha alternativa, e ficou olhando, procurando entender o que estava acontecendo. Era uma mulher idosa e mal vestida, tinha ao lado um despencado carrinho de feira e nele amarradas, com barbantes e tiras de trapos, várias bugingangas sem valor. A negra cheirava mal e estava bebendo cachaça, mas em uma caneca feita de lata de salsicha. Ora, era uma mendiga. Como poderia ter dinheiro para pagar a sua cota? Acanhado, o Filé se aproximou para agradecer e foi então que reparou em algo embaraçoso. Pendurada em seu pescoço, ruço por falta de banho, havia uma medalha enzinabrada, onde ainda se podia ver a imagem de santo, o mesmo santo do calendário, que protegia a caixa registradora do bar.

A mulher resolveu acabar com todo aquele descrédito. Meteu a mão na sua sacola de perna de calça jeans, tirou uma nota de cinqüenta, entregou ao negro e ainda lhe disse que não precisava fazer troco, porque da próxima vez que viesse tomaria umas doses por conta. Passado o aperto, os demais foram tomando cada um o seu caminho, uns fazendo piada, e outros perguntas, cujas respostas explicassem aquilo. O Filé convenceu-se de que a mendiga era louca, coitada, e sentou na outra cadeira da mesa, só para não ir embora assim, sem demonstrar uma gratidão mais verdadeira. Para ter o que falar, ele perguntou a ela que santo era aquele, gravado na medalha. A velha disse que não sabia, mas era de muita estimação. O Filé torceu o beiço, em sinal de dúvida. Qual é o problema? Você nunca teve nada de estimação?... – Disse ela desconfiada...Problema nenhum, mas eu nunca tive não. Não gosto de bichos de estimação, nem de me sentir preso a nada. Aliás, já tenho a encrenca da minha mulher pra me prender... Porém a mendiga não achou a graça que ele esperava. Torceu, agora ela, os beiços largos e úmidos de cachaça, como sinal de desaprovação, e lhe disse que tratasse de não fazer mais tantas perguntas. E que voltasse para o seu caminho, com a proteção do santinho, qualquer que fosse o nome. Sem jeito, o Filé foi mesmo embora.

CAPÍTULO IV

A maré estava mais baixa do que o normal. O mar havia recuado vários metros. Diversas traineiras e canoas, de todos os tamanhos, ficaram tombadas no fundo de areia e lodo da praia, normalmente submerso, e que agora exibia uma insuspeita diversidade de coisas, umas naturais e outras bastante estranhas. Dentro de uma canoa enorme e antiga, das que eram talhadas de um único e imenso tronco de árvore, um grupo de mendigos, desinteressados do fundo do mar e dos latidos distantes e furiosos de um vira-latas, dormia profundamente, bem próximo da parede de pedras cimentadas que descia da calçada para a praia. Apesar da miséria, sentiam-se felizes e seguros, no lugar que escolheram para passar a noite, aproveitando a baixa-mar tão pronunciada. A canoa mais parecia um grande balaio-de-gatos, grandes e pequenos, sendo impossível saber-se onde começava e terminava a mesma pessoa. Salvo no caso dos casais que haviam feito sexo antes de dormir, porque estes ainda estavam cobertos pelos seus panos, que haviam usado como se isso diminuísse a intimidade generalizada.

Os seus sonhos nada rasos, entretanto, foram bruscamente interrompidos. Alguém viera correndo pela calçada, que ficava bem acima do nível da praia e, para escapar da perseguição do vira-latas zangado, bem perto dos seus calcanhares, havia saltado para a areia, sem ter tempo de medir onde cairia. Pois caiu estrondosamente, justo na proa da canoa onde estavam os mendigos. Com o susto, foi mendigo para todo lado. Uns ainda se lembraram de catar por instinto alguns pertences seus, enquanto outros, com dificuldade para suspender as próprias calças, não tiveram tempo nem mãos livres para isso. Algumas crianças de colo berravam, abandonadas que foram, mas ninguém ali sabia ainda o que estava acontecendo, tão pouco imaginava para onde estava indo.

Todo dolorido, o Filé se levantou para ver se o seu perseguidor também havia pulado da calçada para baixo, e viu que felizmente ficara no alto da parede. Dois dos mendigos se aproximaram dispostos a mostrar sua raiva, porém foram surpreendidos pela ira do intruso. Mas não contra eles. O Filé estava furioso porque só agora estava vendo que o tal cão, que ainda latia para ele do beiral da calçada, não era de meter medo nem a um gatinho faminto. Muito pequeno e magro, se não houvesse corrido poderia tê-lo pego pelo pescoço e arremessado longe. Em vez disso, quase quebrara o próprio pescoço, ou o de alguém inocente, naquela queda estúpida.

Compreendendo que não se tratava da polícia, nem de alguma das ameaças comuns à vida de rua, e vendo que o homem não conseguia se aprumar direito dentro da canoa, alguns mendigos mais piedosos foram lhe ajudar. Um deles, o mais velhinho, lhe ofereceu da sua própria cachaça, insistindo para que tomasse ao menos um gole, sob uma duvidosa alegação: É pra não inflamar. Constrangido pela boa fé do velhote, o Filé acabou tomando um gole. Depois outro e logo mais um. Acabaram achando que o intruso era apenas atabalhoado, ou azarado, mas que não era tão diferente assim, afinal, também gostava de cachaça. Tudo foi virando uma galhofada, na medida em que foram aparecendo outras garrafas.

O Filé acabou contando a sua estória, desde que saíra do escritório. Sobre a corrida e o salto desesperado, conseguiu uma gargalhada geral dos mendigos, contando que aquele vira-latas só podia ter pensado, que ele ia pegar o frango que estava num despacho na encruzilhada. Essas madames ficam trazendo comida pros cachorros de rua, o bicho, que não sabe o que é despacho, pensa que é santo e não quer dividir com ninguém... Tava só esperando a vela apagar... – Remendou o mais velho... Também, você nem pra pedir licença... – Outro fez graça... Eu? Que pedir licença? Eu só passei por perto porque me desequilibrei... Não chegava a ser uma estória surpreendente, cada um ali tinha a sua própria, no mais das vezes bem pior e mais prolongada. Ademais, se ele não tinha grana, de que poderia lhes servir? Era somente mais um e dos mais mentirosos. Onde já se viu, uma mendiga pagar a conta de alguém que sequer conhece? A cachaça acabou e os mendigos foram se acomodando novamente na canoa.

Já era madrugada quando o Filé resolveu retomar o seu caminho, por mais desafortunado que ele fosse. Uma idéia não lhe saía da cabeça, agora enfeitada por um galo doído: ainda faltava uma mulher. Estava decidido, era então uma questão de honra. Não voltaria para casa sem antes pegar uma mulher. Procurou em vão aquele maldito vira-latas, que já devia estar dormindo também, e com o caminho livre pôs-se novamente a andar a esmo. Em razão do esforço de continuar, suas escoriações incomodavam, a visão embaçava, transpirava por todos os poros e tinha a impressão de estar ficando febril. Mas pensou que só podia ser efeito de tanta cachaça.

Depois de algum tempo, tropeçando aqui e ali, vinha-lhe à mente o corpo pesadíssimo da sua mulher. Ele era esteticamente feio, mas estava lá à sua disposição, bastando entrar em uma condução e voltar para casa. Poderia então se esparramar sobre ele, servir-se do que quisesse e depois dormir ali mesmo, como se fosse um colchão macio. Ela não se importaria, nessas horas sempre fora muda e obediente. Alfredo sempre fora a sua única ambição de consumo. Agora ela não tinha mais nenhuma. Mas não... Não, não e não! O homem se aprumava e seguia adiante. Depois de passar por tantos sufocos, ter os seus documentos roubados junto com o dinheiro do mês... Escapar, por um segundo milagre na mesma noite, de apanhar e ser literalmente encurralado no mictório do bar. Por pouco não quebrou o pescoço e ainda foi acolhido, pelo grupo de miseráveis sobre cujos pescoços havia acabado de cair! Definitivamente, não. Ou encontrava uma mulher para se vingar do azar, ou não voltava para casa.

Mais à frente, o Filé estava atravessando um parque público, com grama e jardins, cujos postes de iluminação incandescente por entre arvoredos espalhavam sombras sobre os canteiros. Viu então adiante um vulto estranho, que fazia movimentos pequenos mas ritmados. Da distância em que estava e com os olhos embaçados não conseguia distinguir o que era. Mais próximo, achou que eram duas e não apenas uma pessoa. Tentando não fazer barulho chegou mais perto. Estava agora certo de que era um casal de namorados e quis ver o que estavam fazendo. Ora, o que um casal de namorados poderia estar fazendo, em uma posição incômoda, entre as sombras de um parque lá pelas tantas da madrugada? Devia ser bom de se fazer. Pelo menos, de se ver.

De modo a não ser percebido, deu a volta num dos canteiros para chegar em uma outra posição, de onde certamente poderia ser um expectador privilegiado. Porém, assim que chegou onde pretendia, ouviu latidos próximos. Caramba, uma mulher que late enquanto faz sexo! Isso era muito mais do que estava procurando. Mas por entre as plantas do canteiro, enfim conseguiu ver que se tratava apenas de mais um mendigo e, deitado ao seu lado, o seu cachorro de estimação. Não... Outro cachorro?... Com base em sua memória recente, estava em perigo. Droga, por que os cachorros gostam tanto de mendigos? Não tem nenhum despacho por perto e aquele cão está latindo pra mim... Filé não entendia mesmo nada de cachorros. Novamente ele correu e de novo foi perseguido. O animal só parou depois que ouviu o assobio do seu dono. E o Filé gastou em mais essa corrida as últimas energias de que dispunha.

CAPÍTULO V

Sentado em um banco de ripas de madeira, O Filé sentia-se esgotado, mas descansaria ali um pouco e depois prosseguiria. Quando as suas pálpebras começaram a pesar, para não adormecer ele respirou fundo e pôs-se a caminho de novo. Seguindo na sua obstinada peregrinação, ele encontrou o que fora, por pouco tempo, um outro despacho. Esse havia sido maior e mais variado, coisa de madame. Porém já não restava quase nada, aquele cão com certeza chegara antes. O Filé chegou perto para espiar. Por um instante achou que pudesse adivinhar o que o cão havia encontrado para o jantar. Não seria uma tarefa fácil, mas uma coisa era certa: ali havia uma galinha, pois haviam penas por todo lado. Uma coisa o intrigou. Por que motivo o cão havia deixado as vísceras onde devia estar a galinha inteira? Com certeza ele fizera um trato com o santo, do tipo “eu como só a galinha e deixo as tripas pro senhor”. Ora, será que ele achou que quando eu chegasse ia lamber o fundo do alguidar? – Perguntou a si mesmo. O homem se divertiu por algum tempo consigo próprio, mas logo o seu sarcasmo perdeu a graça e ele retomou os seus passos de filigranas, não estava mais interessado em despachos.

Ao passar pelo último canteiro do parque, Filé sentiu um aroma no ar que lhe despertou a fome. Lembrou-se então de que não havia comido quase nada, desde a hora do almoço. Então percebeu que do meio do canteiro subia uma fumaça tênue e ficou curioso por saber do que se tratava. Tendo ouvido que alguém se aproximava, de dentro do canteiro, que tinha forma circular, uma velha mendiga interrompeu os preparativos do seu jantar. Sentada na grama e protegida pela cerca-viva do canteiro, ela tinha entre as pernas quase todos os principais ingredientes para isso, retirados do despacho que haviam deixado no parque. Por entre os galhos, o Filé via apenas o seu vulto.

Desconfiada do intruso, que devia ser um mendigo covarde disposto a lhe tomar a refeição, ela pegou a galinha, virou de cabeça para baixo e, pelo buraco aberto por ela no ventre para retirar as vísceras que não comeria, ela foi despejando o que havia em volta. E assim foram para dentro o dendê, a farinha e a pimenta malagueta. Na pressa, ainda foram indevidamente para dentro do buraco alguns cigarros e muitos palitos de dente. Com mais pressa ainda retirou da sua sacola uma latinha de condimentos, ia destampá-la, mas achou que não haveria mais tempo. Pensou que, caso colocasse a galinha na água de cozimento, que já fervia, o pilantra logo a encontraria, então a negra empurrou a galinha para o lugar que lhe parecia mais seguro, onde ninguém nunca queria mexer: debaixo da saia, entre as suas pernas. Depois, imaginando que ainda não estivesse segura o bastante, por via das dúvidas, empurrou ainda mais para dentro das pernas, até senti-lo em segurança, junto da sua genitália.

Bem, não se tratava exatamente de um mendigo. Tão pouco o homem tinha a galinha por prioridade. Todavia, ela não o sabia. A mendiga não pode imaginar que ele tivesse uma única coisa em mente, que por isso ele seria capaz de qualquer coisa, e ainda que, vendo-o depois dele passar pelas plantas do canteiro, reconheceria nele o pobre coitado, cuja conta havia pago quando estavam no bar. Ué, você de novo?... – Ela logo perguntou com surpresa e simpatia. Achando que não havia motivo para toda aquela sua preocupação e que o perigo havia passado, ela começou a reclamar com ele, porque havia lhe dado um susto dos diabos, nem pudera temperar direito o seu jantar. Contudo o Filé, que não a reconhecia do bar, sequer a estava ouvindo.

Na verdade, ele estava diante de uma decisão muito difícil. Se perdesse aquela oportunidade, com certeza não encontraria outra mulher para saciar seu desejo imperativo. Aquela velha mendiga, esmulambada demais para ser despida, suja demais para ser pega e fedorenta demais para se chegar perto, era a sua única alternativa. Por uma mísera fração de segundo, ele julgou que os fartos depósitos de gordura da sua mulher eram preferíveis, porém todos os sofrimentos que juntos lotavam sua memória, faziam da velha magrela uma alternativa válida. Afinal, ela estava logo ali, tão disponível e com um inesquecível sorriso de três dentes na cara. Como ele se mantinha mudo, a mendiga já não sabia se a sua galinha estava de fato em segurança. E preferiu deixá-la onde estava, para não despertar atenção dele.

No que você tava remexendo quando eu cheguei? – Quis saber ele. Deduzindo pela pergunta que ele não sabia da sua galinha, ela arriscou uma mentira por garantia: O que? Eu? Ah... Era a minha coelhinha de estimação... O que o Filé pensava saber existir entre as pernas dela, não era o que ele chamaria de coelhinha de estimação, mas lhe pareceu que aquela expressão devia ser uma espécie de convite. Ou melhor, uma gentil concessão. Ora, naquelas alturas dos acontecimentos fosse uma coelhinha ou uma porquinha, que diferença poderia fazer o nome do bicho?

O homem tirou do bolso um pedaço de papel. Sem tirar os olhos dela, rasgou e enrolou fazendo dois tampões, que meteu nas narinas. Ah... – Ela arriscou de novo – To vendo que você também gosta de um pozinho, eu também, mas tem um tempão... Antes que a mulher pudesse terminar o que ia dizendo, o Filé atirou-se em cima dela como um doido. Com o impacto do corpo dele ela caiu para trás, e sentindo sua mão a lhe levantar os panos ela gritava: Não! Deixa a minha galinha aí!... Não! A minha galinha não!... Ela pensava que gritando alguém poderia vir lhe socorrer, contudo, nem o Filé e nem ninguém podia acreditar que existisse alguma galinha por ali. O homem ensandecido meteu uma perna sua entre as delas, depois a outra perna, abriu as coxas da velha e aplicou o seu golpe de misericórdia. Logo de início achou que era bem melhor do que pudera imaginar. Estava bom – pensava ele – doía um pouco e ardia muito, mas estava bom! Tanto que até se demorou. Já a velha não parecia estar gostando. Resmungava e fazia careta de nojo, dizia que parasse com aquela porcaria e prometia nunca mais pagar a sua conta no bar, com o dinheiro emprestado pelo santo.

Só então ele se deu à razão. A mendiga era a mesma do bar e, em vez de lhe ajudar, havia lhe repassado a sua dívida com o tal santo! O homem de um só pulo ficou de pé. Quer dizer que a senhora pagou a minha cota na despesa lá do bar, com o dinheiro que roubou da macumba?... Pera lá, mocinho. “Roubei” não, que isso é muito feio pra uma senhora da minha idade. Na verdade eu pedi emprestado... E agora eu é que devo ao santo?... Não senhor, não era santo não, agora você deve ao diabo, que era o dono do despacho... Eeeuuu?!... Você, sim. Quem mais poderia ser? Mas não se desespere, nem precisa pagar tudo de uma vez só não. Pague como eu pagaria, em suaves prestações. Ele não vai se importar. O que ele quer mesmo é a sua alma – disse ela com voz grossa, para aterrorizá-lo... E como eu faço pra pagar?... Quando você tiver a grana me procura, que eu te explico tudo bem direitinho...

O Filé refletiu por três segundos e depois protestou: Não senhora, você me enganou, mentiu pra mim... Eu não, mocinho. Fique sabendo que eu não sou mulher de mentiras. Você foi quem veio pulando em cima de mim como um cão esfomeado, e eu uma pobre e indefesa velhinha... Furioso, o Filé virou as costas para ir embora e a mendiga ficou reclamando com a galinha na mão, porque teria que lavá-la para refazer o tempero. Mas de repente ele se voltou e ela meteu de novo a galinha entre as pernas. Você mentiu pra mim sim, me disse que tinha uma coelhinha de estimação – ele se lembrou... Ah é, mas porque antes você também mentiu pra mim... Você ta louca. Eu? Quando?... Mentiu, quando me disse que nunca teve bicho de estimação... E é a verdade, nunca tive mesmo – o Filé reafirmou com convicção... Ah, não?... Não!... Então de quem é esse porco-espinho aí, todo colorido, saindo pela sua braguilha afora?

Foto de sweet_angel

Sem os meus amigos...morreria!

"Um dia a maioria de nós irá se separar.
Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora,
as descobertas que fizemos,
dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima,
da angústia,
das vésperas de finais de semana,
de finais de ano,
enfim... do companheirismo vivido...
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai pra seu lado,
seja pelo destino,
ou por algum desentendimento,
segue a sua vida,
talvez continuemos a nos encontrar,
quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens.
Aí os dias vão passar... meses... anos...
até este contato tornar-se cada vez mais raro.
Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos que eram nossos amigos.
E... isso vai doer tanto!!!
Foram meus amigos,
foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...
Quando o nosso grupo estiver incompleto...
nos reuniremos para um último adeus de um amigo.
E entre lágrimas nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado
para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado...
E nos perderemos no tempo...

Por isso,
fica aqui um pedido deste humilde amigo:
não deixes que a vida passe em branco,
e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar,
embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os meus amores...
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!"

Foto de Osmar Fernandes

O interpretador de sonhos

E, tendo-se levantado muito cedo naquele dia, partiu iluminado para o Santuário que ficava no quintal de sua casa. Lá, ajoelhou-se diante da imagem santa de Nosso Senhor Jesus Cristo, e espiritualizado, entrou em profundo estado de meditação. Seu espírito imaculado em transe, totalmente voltado para o sonho que tivera durante a noite.
Naquela noite apareceu-lhe em sonho, um mensageiro que lhe falava de dentro de um facho de luz divino, dizendo:
- O que vês, escreve-o no canto sagrado de teu coração, porque, a partir de hoje em diante, eu serei o teu Anjo da Guarda, o teu Guia Espiritual e o teu Guardião de Sonhos. As tuas preces, agora, foram ouvidas, e eu fui enviado a ti.
E em sonho, e já transfigurado, o Iluminado respondeu ao mensageiro, dizendo:
- Mas Senhor! eu nunca acreditei em Anjo da Guarda, nem em Guia Espiritual e nem tão pouco em Guardião de Sonhos. Aliás, sou um homem cético no que diz respeito aos assuntos sobrenaturais.
Então o mensageiro, disse-lhe:
- Conheço-te muito antes de tornar-te semente no ventre puro de tua mãe, acompanhei todas às etapas do teu desenvolvimento e desde o teu nascimento vigio-te. E, em verdade, te digo, que, todo ser humano tem o seu Anjo da Guarda, o seu Guia Espiritual e o seu Guardião de Sonhos, independentemente, de acreditar ou não.
E, o Iluminado, boquiaberto e pasmo, estupefato, interpelou-o, dizendo:
- Mas, Senhor, eu não acredito nessa história de protetor do além. Sou um homem solitário e cheio de pecados e dúvidas. Não concordo com a desigualdade entre os homens. Uns tomam cálice de mel, outros de fel. O poder e a riqueza estão nas mãos de poucos, enquanto, o sofrimento e a pobreza estão dominando a humanidade... A fome, a doença e a guerra são fatores preponderantes de humilhação para a maioria absoluta dos homens na terra. Além disso, falsos profetas, superlotam igrejas de fiéis desesperados e descrentes da existência da vida após a morte. A maioria não acredita mais em salvação... Devido ao estado de miserabilidade em que passa, muita gente, hoje, já não acredita em Deus... Muita gente idolatra um profeta ou um alguém que lhe dê esperança de vida terrena. Assim caminha a humanidade... Eu acredito piamente em Deus e em Jesus Cristo, mas, também, vivo sob tensão e desesperado. Estou aflito e precisando nascer de novo, preciso de socorro! Se você é mesmo essa Trindade especial, que me diz ser, onde estava quando em minhas orações implorei por um caminho de luz a seguir?
E, o mensageiro lhe respondeu:
- Foi-me dado o poder de cultivar-te, de vigiar-te, mas, não de interferir em teu livre-arbítrio. Um escultor só vai esculpir e lapidar uma pedra bruta, quando essa lhe chama à atenção pela simplicidade e pureza... Pela humildade e beleza... Deus só entra no coração de alguém quando é convidado, e tu o convidaste a entrar na tua casa com fé, por isso, estou aqui perante ti, porque, hoje, nasceste de novo. Afirmo-te que a partir deste dia, verás o mundo, não com os olhos do desejo, mas, com os olhos da alma; e, ouvirás, não com os ouvidos da carne, mas, com os ouvidos da sabedoria; e desvendarás os mistérios e os segredos dos sonhos de muitos que hão de te procurar. Por isso, o que Vês não é uma visão fictí-cia... O que vês é a tua Estrela Guia que te conduzirá a cumprir a tua nova missão; ela é a luz do conhecimento. E, deste dia em diante, tu serás um novo homem, e ao acordar, lembrarás de tudo que te digo, e num lugar sagrado meditarás, e jamais esquecerás deste momento, porque, a partir deste instante, eu te batizo, te crismo e te registro, como: O INTERPRETADOR DE SONHOS.
E o Iluminado, assustado, de supetão, respondeu-lhe:
- O Senhor só pode estar brincando comigo! Eu já lhe disse que sou como São Tomé, só acredito naquilo que vejo. Como vou interpretar sonhos? Eu não consigo interpretar nem os textos mais simples, que, o professor de literatura passa na Escola.
Calmamente, de forma sombria e sábia, o mensageiro respondeu dizendo:
- Tu saberás, tu fostes preparado por Deus. Não te esqueças jamais do que te disse antes: Lembras-te sempre de ouvir com os ouvidos da sabedoria e entender a tua missão com coração e alma.
Em verdade, te digo que, o sonho é a chave do futuro... E, por isto, muitos te ouvirão e poucos te acreditarão. Mas, nunca, em hipótese alguma te desanimes, porque este é o mistério.
O homem iluminado, mais um vez, intercedeu dizendo:
- Mas Senhor! se eu tiver realmente este poder mágico, este dom divino de interpretar sonhos, por ventura, não estarei interferindo no destino?
O mensageiro foi enfático ao responder:
- Não!!! Porque qualquer que seja a porta que se abrir... desvendarás somente o que for concebido a cumprir em tua missão. O que está escrito no livro da vida de cada um, não poderá ser mudado nem por ti, nem por mim, nem por ninguém... Somente por Deus. Confesso-te, que, todo sonho é uma premonição... Tem um sentido, um mistério, um segredo. "Nenhuma folha cai de uma árvore sem a permissão de Deus", imagine então os sonhos... Assim foi o sonho de Jacó, que viu em sonhos uma escada posta sobre a terra, cujo cimo tocava o céu, e os anjos de Deus subindo e descendo por ela... Assim foram os sonhos de José, filho de Jacó, que previu seu próprio futuro e salvou o povo do Egito da miséria da fome... O próprio nascimento de Jesus Cristo, foi anunciado à Virgem Maria através de sonho. Portanto, não tenhas medo, tenhas fé, pois, tu és um ser iluminado, e imaculado, e abençoado no céu. A tua hora chegou, faças merecimento dela.
E o iluminado cumpriu piamente as orientações do mensageiro, que ao acordar bem cedo foi imediatamente para o lugar sagrado de sua casa meditar, e ao despertar, sentiu-se espiritualizado, e creu; e transfigurado, e cheio de fé e paz espiritual voltou a sua vida normal, e passou a ver o mundo e as pessoas com os olhos de Deus.

Foto de Dirceu Marcelino

ERAM DOIS AMIGOS INSEPARÁVEIS

Dois meninos.
Moradores da mesma cidade.
Um de olhos azul outro verdes.
Eram orgulhos da cor de seus olhos?
“_Ah! Meninos vaidosos”.
Falava nossa professora, Dona Marta.
Foram poucos os episódios de que um não participou na vida do outro.
Um deles ainda no “parque infantil”, neste ainda não haviam se encontrado.
Foi quando o de “olhos verdes” fora expulso da escola em face de se envolver em uma briga juntamente com seu irmão de três anos.
Não aceitaram a justificativa do menino de cinco anos e naquela época ele não sabia se defender.
Vamos pular vários episódios, pois, o objetivo deste conto é apenas justificar o porquê da carta-poesia postada aqui e endereçada ao primeiro depois de muitos anos.
Mas, tem fatos marcantes que precisam ser mencionados:
Tal como a apresentação para incorporação ao Exército Brasileiro.
Lembra-se: Todos nós bem arrumados. Você com um terno que parece que fora tirado do baú de seu pai, o mesmo com que ele viera da Espanha.
Eu, com uma roupa esporte.
Na rua um comboio de mais ou menos vinte caminhões do Exército Brasileiro e no ponto de ônibus do Mercado Municipal não parava de descer jovens cabeludos, muitos naquela época queriam imitar os “Beatles”.
Lembro-me que no momento de subir no caminhão meus cabelos longos caíram na testa e meu pai com os olhos lacrimejados dizia:
_ “Pare com isso. Você agora vai ser soldado!”.
Sinceramente, só fui entender isso depois que já estávamos na barbearia do quartel.
Justamente, quando via os que estavam na fila saírem de “coco pelado”.
Cerca de oitocentos jovens com dezoito anos de idade deixavam caídos ali no chão da barbearia madeixas de vários tipos de cabelo, dava-se para perceber que pouca era ruiva, outras loiras, mas a maior parte de cabelos negros e castanhos escuros.
Como os meus. Os seus eram loiros.
Quanta recordação poderia falar do quartel, ei!
Lembra-se daquele que ocorreu dias depois dos cortes de cabelos.
Sabe que como “cabo da guarda” soube por ele próprio que fora uma vingança, pois, não se conformava com o fato de lhe cortarem os cabelos.
Com ele aprendi que cadeia não regenera ninguém, o pior é que ele dando baixa do quartel, entrou em outra corporação importante e a desonrou, pois cometeu um crime maior: “latrocínio”. Justamente contra um industrial alemão que instalava uma indústria em nossa cidade. Esse não é assunto para comentarmos aqui. Muito grave.
Mas eu tenho que mencionar nossa viagem para aquela pequena cidade vizinha, onde participaríamos do desfile comemorativo de aniversário da municipalidade, quando um comboio de seis caminhões nos levou.
Você dirigia um deles e eu estava na carroceria.
Você teria com certeza condições de narrar melhor o acidente ocorrido, pois via a frente uma estradinha de terra batida, o aclive acentuado e a curva à esquerda. Eu na carroceria só pude ver e pressentir o caminhão que derrapava, empurrado pelo obus 105 mm, peça de artilharia muito pesada que ao mesmo tempo servisse para segurar o veículo não o deixando que caísse abruptamente o tombava, devagarinho, dando-me tempo de pressentir a metralhadora ponto 50, tombar e seus ganchos inferiores caírem sobre meu pescoço, mas eu o colocar como um “boxista” entre os ferros e evitar ser atingido.
Salvo desses fomos para o desfile.
Você dirigindo aquele caminhão com a frente amassada e o vidro dianteiro quebrado e eu como sempre na carroceria, com mais dez soldados.
Lembro-me que conforme treinamento feito durante semanas no quartel todos os soldados deveriam descer e depois sob a ordem do comandante todos deveriam subir rapidamente, dando-se às mãos, o que lhes proporcionava subir com facilidade, mas eu, como sempre ficava isolado, sozinho, pois era o “cabo serra fila”.
A que dificuldade foi subir naquele caminhão, primeiro que me desconcentrei ao ver entre os assistentes que se acotovelam uma linda morena de “olhos verdes”.
Ela me olhava de tal modo que me atraía, me seguravam, me dominavam, mas acredito que quando ela percebeu que eu iria passar vergonha pois os caminhões já estavam sendo acionados, ela me liberou e então em movimento mágico pulei e não sei como já me vi segurando os guidões da metralhadora.
Sim. Espécie de guidões, semelhantes ao de uma bicicleta.
E, naquela posição o comboio circulou por toda a praça e ao retornar, novamente, eu vi ali defronte ao cinema, mas sobre a calçada da Praça Rodrigues de Abreu aquela musa.
Alguém poderá perguntar, mas como ele sabe o nome da praça se aquela era a primeira vez que tinham ido aquela cidade. Bem, aí é outra estória, a ser contada no capítulo II do “menino que queria ser maquinista de trem”.
Antes de perseguir o objetivo deste conto, ainda tenho de contar mais uma breve estória, pois ela está registrada nos anais da história do Brasil.
Refere-se ao período ditatorial, mas sobre um episódio no QG do II Exército época de subversão e quando alguém soltou da porta do ginásio de esportes do Ibirapuera um veículo carregado de bombas que adentrou pelo acesso do quartel semi-subterrâneo e explodiu espetacularmente, matando uma das sentinelas. Sua foto consta de arquivos da internet.
Com esse episódio o jovem de “olhos verdes” acabou sendo promovido a sargento.
Posteriormente, terminado o período do serviço militar obrigatório, nos separamos por vários anos, mas outra vez, o destino nos uniu.
Fomos nos encontrar em Campo Grande – MS.
Em uma academia e depois designados para trabalhar na região da tríplice fronteira entre os Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e Paraguai. Esta região ainda fazia fronteira com uma parte do Estado de São Paulo.
Sei que em contos não se devem por nomes. Mas o faço, pois é um conto baseado em fatos verdadeiros.
Verdadeiros mas desconhecidos das autoridades responsáveis, dos chefes, dos governantes.
Talvez, saibam eles de alguns dados estatísticos, do número de carros furtados que são levados para o Paraguai, interessante, ainda hoje da mesma forma que acontecia há vinte anos.
O “menino de olhos verdes” agora se transformara no Delegado Regional e o “menino de olhos azuis” no Delegado de Polícia da cidade mais importante da sub-região. Mas a deste ficava exatamente na confluência da tríplice fronteira.
Este episódio ocorreu em porto Caiuá, local onde estava sendo construída uma usina hidrelétrica no Rio Paraná e a estrada se delineava exatamente sobre a barreira de contenção.
A operação consistia na abordagem dos veículos suspeitos ainda sobre as balsas que faziam travessia dos veículos do Estado do Paraná para Mato Grosso do Sul.
Na primeira incursão foram apreendidos quatro carros, dois Del Rey e dois Monza, furtados na cidade de São Paulo, no dia anterior, cujos veículos eram conduzidos até as pequenas cidades do Paraná, e ali permaneciam aguardando o momento adequado para serem atravessados. Depois faltariam cerca de cem quilômetros para alcançar uma das inúmeras cidades fronteiriças “Del Paraguay”.
Logicamente, desconhecíamos no que consistia esse “momento adequado”.
Outro fato interessante, mas, por favor, não dêem risadas, más é verdade, os presos eram levados para a única cadeia da cidade e ela era de “madeira”. Aliás, a maioria das casas daquela cidade era de madeiras, naquela época. Não sei hoje.
Só viemos, a saber, na segunda operação, quando afoitos em realizar um trabalho maior escalamos doze policiais que deveriam agir em duplas.
O Delegado Regional chefiava, mas também fazia parte de uma dupla operacional, seu companheiro era um Agente de Telecomunicações. Este tinha a incumbência de se comunicar com os demais componentes e transmitir-lhes as ordens operacionais.
Mas que operação, pois, logo após a descida dos carros da balsa, quando tudo deveria estar concluído, o que vê o Delegado Regional, cada grupo de seus agentes, sim, perto dos carros apreendidos, mas aos seus lados, também, outros homens armados, desconhecidos e entre eles ainda teve a chance de reconhecer um famigerado bandido procurado justamente por ser famoso nesse tipo de tráfico de veículos.
O que restou ao delegado regional, ao ver aqueles homens armados caminhando em sua direção, a não ser, lembrar-se do brocardo:
-“Pernas para que te quero”.
Subir então no veículo que acabara de aprender, praticamente, obrigar o preso e o Agente de Telecomunicações a adentrarem no veículo, tomar o assento no banco de motorista, acelerá-lo e arrancar provocando muita poeira e deixar atrás de si uma nuvem.
Acredita que essa ação os deixou momentaneamente desorientados, pois já estava a uma distância de 40 ou 50 metros quando os viu subindo em suas camionetes, alguns na carroceria e começavam a acioná-las e em comboio a persegui-lo.
Poderia dizer que foi uma delícia, se não fosse trágico, mas lembra-se como se fosse agora do ronco acelerado do Monza, vermelho, lindo... “Vrrooouuummmmmmmmmmm” e o chiado dos pneus nos pedregulhos do chão de terra batida “tchuaaaaaaaaaaaaaa”.
A corrida do carro que batia a “Kart” e assoalho em algumas saliências irregulares da estrada que na verdade era a barreira da futura hidrelétrica.
Olhando para trás via que se formava uma nuvem de poeira que com certeza inviabilizava a perseguição dos bandidos e desse modo foi possível ao término da barreira, adentrar em solo pedregoso sem deixar rastros e desse modo adentrar num paiol e enfiar o veículo sob um monte de feno, que parece que ali fora adrede preparado para esconder o veículo como vemos nos filmes americanos.
O feno cobriu o veículo, desceu do mesmo cuspindo capim, o bandido com um monte enroscado em sua algema, o agente reclamando de estar sujando seus equipamentos.
O delegado regional puxou o preso pela algema, praticamente o arrastou e com palavras de ordem obrigava o agente de telecomunicações a segui-lo e assim subiram em um morro, onde em local alto e camuflado, se assentaram. Dali se podia ter uma visão geral da planície formada pelas margens do grande rio e da estrada que se descrevia agora sinuosa para o oeste.
Dentre os veículos perseguidores três camionetes Ford e duas de marcas Chevrolet, além de um Fiat 147.
Sorte que coube aos dois ocupantes do Fiat fazer a verificação neste paiol, onde o Monza estava escondido. Negligentes os bandidos, deram uma espiada e sequer tiveram o cuidado de cutucar com varas o monte de feno. Depois de alguns minutos também seguiram para o Oeste.
E, nós ali.
Passadas cerca de seis horas viu-se ao longe sobre a barreira o ônibus interestadual que se dirigia para a cidade sede da sub-região, dando tempo de escrever, em uma caixa de bala CBC, um bilhete pedindo ajuda.
Entre as dobras da caixa colocou o Delegado Regional outro bilhete, que teve tempo de redigir, afinal ficou ali várias horas.
Depois de mais algumas horas chegou o reforço, o pior, que entre eles retornavam alguns dos mesmos policiais que tinham participado da nefasta operação.
Mas agiam como se nada tivesse acontecido.
Posicionou-se o Delegado Regional adequadamente de modo que pudesse reagir com armas, mas logo percebeu que tudo aparentava certa normalidade, iria fazer o jogo deles, talvez fosse naquele instante a estratégia adequada.
E, assim, retornaram para a sede.
O “bandido” foi autuado por receptação. Presidiu o flagrante o Assistente do Delegado Regional que foi o condutor.
Ah! Que trabalho em vão, o “cidadão” autuado, no dia seguinte foi posto em liberdade por ordem judicial.
Mas, tudo isso se repetiria depois, quando convidado para uma pescaria o ingênuo Delegado Regional foi e lá depois de ter pescado um grande “serubim”, que ajudou a limpar, no momento de saboreá-lo começaram a lhe contar a estória do “Delegado Bigode”.
Bem, esta estória, será narrada em outro conto, talvez, até o término do concurso, logicamente, se esta for bem recebida.
Ah! Sim.
Vocês querem saber por que contei tudo isso.
É simples.
Só quis justificar porque não entreguei a poesia ao amigo ODAIR ANTONIO ORTIZ, diretamente a ele e naquela época.
Justamente, porque, ela a carta-poesia, fora o bilhete que escrevera em um papel de revestimento de maço de cigarros e a introduziu, entre as frestas da “caixinha de balas CBC”. A mesma caixinha e papel que tem guardada em seus arquivos.
Normalmente, esqueço-me do teor das poesias que escrevi horas antes.
Aconteceu recentemente.
Escrevi para “baianinha” e perdi em meus escritos no próprio computador.
Espero encontrá-la. Mas ainda ontem quando não conseguia revisar este texto, em razão de erro de formatação, reescrevi a poesia “Baininha”, mas exatamente, no momento em que falava com ela pelo MSN.
Amigo com tudo isto estou lhe querendo dizer, que da mesma forma que tenho amigas, musas, você foi uma pessoa importante na minha vida, veja, fiz uma poesia, pensando que iria morrer.
Imaginava que você continuasse naquele Estado, como outros de nossos colegas continuaram.
Mas o destino não quis assim, outra vez nos encontramos aqui em nosso Estado, trabalhamos novamente juntos, divertimos em alguns momentos, trocamos nossas confidências e até fomos confundidos com buques de flores que mandamos.
Finalizando, para corroborar nossas brincadeiras, veja como fiz para você tomar conhecimento da poesia que ainda tenho aqui guardada em casa, no papel celofane, revestimento do maço de cigarros e da caixa de balas CBC, que a recuperei, pois afinal. Eu era o Delegado Regional. E, finalmente, desejo lhe dizer que tivemos a oportunidade de acabarmos com Defensores, pois sempre quis sê-lo, como quis quando tinha apenas quatro anos de idade e não conseguia dizer à minha Diretora que agira em “legítima defesa de terceiro” de meu irmão que contava apenas três anos e eu mais velho: cinco.

Foto de José Herménio Valério Gomes

O FOGO

PELO FRIO È TISTEZA
PELO FOGO È UMA CHAMA DE AMOR
O PRIMEIRO NUNCA TEVE NOBREZA
MAS O FOGO HABITA OS CORACÕES DE TODOS
LÀ NO CÈU OS ANJOS PARTILHAM
COM OS HOMENS QUE NASCERAM EM TERRA
ELES SÃO UMA CHAMA QUE DEIXA A IMAGEM
DAS CRIANCAS QUE SEGUEM A GUERRA
MESMO AS MULHERES ESTÃO EM PERCA
DE CERTA DIGNIDADE HUMANA
OUTRORA ELAS ERAM A VOZ DA PAZ
HOJE ELAS DESTROIEM COM O FOGO DO ÒDIO
O FOGO,O FOGO SEMPRE O FOGO
SE ESTE CALOR SE ENCONTRA NO CORACÃO
ENTÃO PORQUE NÃO TATUALO NA PELE
AO PARTILHAR COM OS ANJOS DA FELICIDADE
ABRACAMO-NOS E TRANSMITIMOS ALEGRIA AO CORACÃO
DISPUTIMOS E ISSO GELA O AMOR
MAS HÀ SEMPRE UMA PEQUENA CHAMA QUE CHORA
DE NÃO SER COMPREENDIDA NO CORREDOR
REALIZAMOS A FALTA DE FOGO
E QUE UMA MÃO PODE FAZER PROVA DE CARIDADE
ESTE GESTO È TÃO ANTIGO
E INSUFICIENTE COMO GENEROSIDADE
AS NUVENS ESCONDEM O SOL
E A LUZ VAI APAGANDO PARA ALGUNS
ESQUECENDO A PROMESSA DO DIA ANTERIOR
DE DISTRIBUIR O FOGO DO AMOR NAS PALMAS DAS MÃOS
È ESTA A MISÈRIA DOS HOMENS DE PÈ
E SÒ UM SONO HYPER-PROFUNDO
LHES PROCURA DIGNIDADE DENTRO DE UM SILENCIO ABSOLUTO
DEIXANDO SEUS SONHOS PREGADOS NO TECTO
A QUEDA DE UMA BORBOLETA
NUNCA MAGOOU O PEÃO NA COINCIDENCIA
COMO A QUEDA DE UM HOMEM LIVRE E BOM
O FOGO LHE È RECUSADO SEMPRE
PATINA ASSIM A ESPERANCA DA MAIORIA
POR ESTES ULTIMOS ELE È ADORADO
MESMO SE ELES SÃO IMPEDIDOS DE OLHAR
E MAIS E MAIS È TÃO BOM
NUMA PRÒXIMA REENCARNACÃO
NASCER UM SER CÃO
PARA MERECER UMA OUTRA DOSE DE ATENCÃO
O FOGO,O FOGO DE AMOR
O FOGO,O FOGO DE SER AMADO
O FOGO QUE JAMAIS ENCONTRAMOS NO CORREDOR
O FOGO,O FOGO DA GENEROSIDADE.

ZEHERVAGO..........GENEVE.........

Foto de EdsonSantos

MATERIAL ISMOS

Muitos se preocupam com o carro.
Muitos se preocupam com a estética.
Alguns com a casa,
Outros com o futuro.
A maioria se preocupa com os outros.
Tantos se preocupam com dinheiro.
Poucos se preocupam em cuidar de si próprios.
Por serem tão pequenos,
Voltam seus pensamentos para coisas de vulto,
Que possam torná-las grandes.
A cada conquista, partem em busca de outras.
Vão se tornando pequenas e mesquinhas
Até que nada representem
Comparadas com o que construíram.

Foto de Naja

biografia de Ernest Hemingway

ERNEST HEMINGWAY

Ernest Hemingway nascido nos Estados Unidos da América em 21 de julho de 1899 foi parte da comunidade de escritores expatriados de Paris conhecidos como " a Geração Perdida"
Teve uma vida totalmente tumultuada, vários casamentos , divórcios e doenças.
Quase todos seus romances foram experiências vividas e na sua grande maioria foram feitos filmes em Hollywood.
Trabalhou como correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil Espanhola. Nessa ocasião escreveu "For whom the bell tolls" (Por Quem os Sinos Dobram)
- do romance:" Por quem os sinos dobram? " " Ele chora por todos nós". e nessa resposta colocada pelo autor no seu romance, ele pretende significar a unidade do
mundo, somos um todo e tudo que afeta uma das partes, afeta de um modo ou de outro , todos os demais. É um drama de guerra, encenado no cinema pela fantástica Ingrid Bergman e Gary Cooper nos papeis principais.
Durante a Segunda Guerra Mundial transferiu-se para Cuba, porém sua vida estava íntimamente ligada à Espanha. Foi toureiro amador e na Primeira Grande Guerra foi motorista de ambulância da Cruz Vermelha. Na Itália apaixonuou-se pela enfermeira
Agnes Kurowsky e daí surgiu seu romance, também de guerra e amor, " A Farwell to Arms" (Adeus às Armas) também filmado em Hollywood,
Hemingway foi contemporâneo de Ezra Pound, Scott Fitzgerald e Gertrude Stein.
No decorrer de sua vida tumultuada, turbulenta, foi se tornando uma pessoa emocionalmente instável.
Aos 62 anos já muito doente de hipertensão, diabetes, arteriosclerose, depressão e perda de memória, suicidou-se com a mesma arma que seu pai o havia feito, um fuzil de caça com um tiro na boca. em 2 de julho de 1961.
Todos os personagens de Hemingway defrontam-se com tragédias, como foi sua vida. A maioria de seus romances foram filmados com atores mais famosos da época - década de 50 a 60.

Principais obras:
- E Agora Brilha o Sol - Adeus As Armas - Por Quem Os Sinos Dobram - O Velho e o Mar e O Jardim de Eden.

Contos e Pequenas Histórias- (alguns também filmados.)
- A História de Três Poemas - Nosso Tempo - As Neves de Kilimanjaro (filme) entre muitos outros.

Bibliografia: Adventures in American Literature de John Gehlmann e Mary Rives Bowman

naja
Publicado no Recanto das Letras em

Foto de opoeta josé carlos martins de lima

doce

a minha vida não é mas nada sem você que me deu amor carinho e verdade hoje eu sinto por não ter lhe amado como eu deveria lhe amar mas o tempo na maioria das vezes em minha vida se fez amargo e por isso não senti o unico doce em minha vida que foi você.

Foto de carlosmustang

..."apenas uma história"...

Fui-lhe apresentado bem novo,
Convidado á trazer toda bagagem, para morar com você...
Me promêtia tantas coisas...
Mas muitas poucas, iria cumprir!

Mas não importava-me, já estava com você...
E apesar de tudo; Alguns momentos foram inesquecíveis.
E mesmo o sofrimento..., foram imperdíveis!
E agradeço a cada construção...

E quando chorei... ( muitas faltas...)percebi que era tempo de continuar.
E mesmo as vezez, só...(a maioria!)
Era razão pra lutar...

Oh amada, você não foi o que eu sonhava!!!
Quanto mais te amava, mais me castigava.
Mas, mesmo chorando... aprendi muito com você.

Páginas

Subscrever Maioria

anadolu yakası escort

bursa escort görükle escort bayan

bursa escort görükle escort

güvenilir bahis siteleri canlı bahis siteleri kaçak iddaa siteleri kaçak iddaa kaçak bahis siteleri perabet

görükle escort bursa eskort bayanlar bursa eskort bursa vip escort bursa elit escort escort vip escort alanya escort bayan antalya escort bayan bodrum escort

alanya transfer
alanya transfer
bursa kanalizasyon açma