Montanhas

Foto de Martorano Bathke

Minha Mãe

Minha Mãe.

É fenomenal, pois é incondicional. Conduz-me pelos caminhos que não quero caminhar e me diz às palavras que não quero ouvir. Mas me reconhece quando preciso ser reconhecido e ninguém mais me olha com reconhecimento. Faz me sentir melhor em todos os aspectos como ser humano.
Quando me dá a mão tenho forças para subir os rios, atravessar as florestas, descer as montanhas, cruzar os sete mares e os cinco continentes. Abraça-me e leva-me a viajar pelo espaço mesmo que tenha que desviar de estrelas e comigo até o céu chega. Com toda a dedicação, esforço, trabalho, renuncia e total ausência de medo, és incondicional.
Todos os sentimentos mais nobres reunidos, que toda a tua maternidade pode reunir de uma só vez, são meus, de graça, e incondicionalmente meus. Pois o teu maior prazer, o teu maior deleite, o maior céu é ver nos lábios dos teus filhos, aquele que começa pequeno e singelo a tocar o coração e em milésimos de segundos vira turbilhão arrepiando toda a pele e desabrocha como flor.
Que seja eterno e incondicional, não o meu sorriso, mas o sorriso que me colocastes nos lábios, obrigado Minha Mãe.
Martorano Bathke
e-mail: ronald@ps5.com.br
* Publicação permitida desde que conste o nome e o e-mail do autor.

Foto de Ana Botelho

NÃO MORRA DO PRÓPRIO VENENO

NÃO MORRA DO PRÓPRIO VENENO.

CUIDADO COM O LIXO
(que o lixo te pega,
e pega daqui,
e pega de lá...)

A realidade caótica da falta de respeito com o que deveríamos aprender a amar e ensinar a cuidar se constitui no quadro mais vergonhoso e, jamais qualquer catástrofe, algum dia, poderá conseguir superá-lo. Falamos do desafeto com a NATUREZA, nosso santuário divino e precioso.
Até mesmo por egoísmo, poderíamos ter desenvolvido vários hábitos de uma decência coerente em relação a uma “bem-vinda economia em nossas contas de todo mês”, zelos tais, que no final, favoreceriam a nós mesmos, como:
- O simples fechar a torneira durante a escovação dos dentes, pouparia 250 litros de água num grupo de apenas 50 pessoas;
- Um quase imperceptível gotejar durante 24 horas de qualquer chuveiro ou torneira , levaria ralo abaixo 150 litros de água potável;
- O usar a energia natural o máximo que pudermos, tornaria a nossa conta bem mais fácil de ser digerida;
- O reaproveitar as folhas de papel, em seu verso, para rascunhos e coisas que apenas as guardaremos como pesquisas, faria incrível diferença;
- O revisar dos textos antes de imprimi-los, também ajudaria;
- O fazer apenas o número suficiente de cópias dos conteúdos a serem utilizados;
- A substituição coerente dos coadores de papel pelos permanentes, dos guardanapos descartáveis e das toalhas pelas de tecidos, assim como as sacolas de plástico das compras pelas de lona, jeans, ou papel, preservaria as matas , os oceanos e o solo por décadas;
-- Optar pelos duráveis ao invés dos descartáveis, diminuiria o volume das terríveis montanhas de lixo, assim como, o aproveitamento dos talos das verduras, das folhas dos legumes e das cascas das frutas, sem falar na economia, saborearíamos receitas incríveis;
- Esquecer as embalagens supérfluas (isopor, caixas longa vida, celofane, papel aluminizado) porque são de difícil reciclagem, as indústrias precisam se atualizar mais;
- Reaproveitar os envelopes, cartolinas e papéis em geral, num pretexto de reorganização do seu ambiente de trabalho ou estudo, reutilizar os fracos e os potes não tóxicos no que pudermos;

- Consertar os utensílios e aparelhos (sapateiros, costureiros, restauradores em geral) ou transformá-los em outros, doando, ou trocando-os em sebos e brechós.
Temos uma lista enorme de crimes ambientais que estão sendo cometidos por nós, cidadãos "bem esclarecidos”, que por desamor ao Planeta, optamos por mandar abaixo preciosas orientações racionais, nos tornando assim, animais exterminadores não só da nossa própria vida, mas também do mundo, somos os “camicases disfarçados”, os piores.
- Jamais descartar, aleatoriamente, as pilhas e baterias usadas, isso revela uma ignorância total, o site www.mma.gov.br tem a dica perfeita, basta que entre direto na lista escolhendo"vá direto, Riscos Ambientais-Pilhas e Baterias"(aproveite para ler também o esclarecimento da ABINNE- Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica);
Os "sites ecológicos” estão na net nos oferecendo um amplo campo de pesquisas e ensinamentos preciosos, principalmente para crianças, adolescentes e adultos teimosos.
De agora em diante, fica decretado que toda semana será a Semana do Meio Ambiente, tentemos falar bastante sobre este tema onde estivermos, debatendo entre amigos e trocando experiências, fazendo da NARUREZA a nossa preocupação mais urgente dos dias atuais.
Sejamos aqueles vigilantes capazes de denunciar tais crimes, porque temos a certeza de que novas ações repensadas farão parte de uma rotina bem mais sadia daqui por diante.

Um abraço fraterno,

ANA BOTELHO (educadora, estudiosa da natureza e da alma humana, poeta, artesã e apaixonada pela vida).

Foto de Sonia Delsin

NUM CONTEXTO

NUM CONTEXTO

É tão belo o mar no seu eterno vai e vem
É lindo um jardim também
Um parque
Um sorriso
Um semblante sério e misterioso
Um beija-flor arrebatado
Uma gaivota voando sobre o mar agitado
É tão bonito o perfil do planeta
Montanhas
Planícies
Os prados
Platôs
Flores por todos os lados
Lindos são os quadros
Artistas que conseguem reter a beleza numa tela
A natureza é tão bela
E eles captam a beleza
Artistas por este mundo afora
Num mundo à parte eu gosto de estar
O mundo dos sensitivos
Se é errado ou certo?
Quem pode afirmar?
Estamos dentro da vida... estamos vivos

Foto de Cecília Santos

TREM DA SAUDADE

TREM DA SAUDADE
.
.
.
Um trem sumiu ligeiro lá na curva.
Como ele um sonho lindo também se foi.
O vento soprando docemente.
Foi desfazendo a fumaça no ar.
Ao longe ouvia se um triste apito.
Um aís de lamento e de dor.
Ecoando por entre vales e montanhas.
Apossando se do meu coração.
O tempo passando.
Minha esperança acabando.
Meu olhar se perdendo na distância.
As lágrimas nublando os olhos meus.
Nada mas via à minha frente.
Só o vazio restando.
O trem partiu...
Com ele foi meus sonhos, minha
vida, meu amor.
Tal qual o dia que chega e vai embora.
Deixando em seu lugar a longa noite.
O trem chega, e vai embora...
Deixando-me somente a esperança.
De que um dia trará minha metade de volta.
Sonho lindo que se foi.
Deixando comigo somente um
coração amargurado.
Que ainda ferido consegue fazer versos.
Falando de amor e saudade.
Mesmo sangrando de dor.
Em tintas rubras escrevo
Palavras que jogo ao vento.
Que vão se desfazendo, como a
fumaça do trem.

Direitos reservados*
Cecília-SP/04/2008*

Foto de Lu Lena

SAUDADE

Meu corpo inerte trava um sono insistente
meus olhos já cansados lutam em manter-se
abertos querendo manter viva tua imagem
em minha memória enfraquecida

apenas fragmentos insanos de uma miragem
sinto minhas pálpebras que teimam em
fechar cobertos pelo peso das lágrimas
que insistem em cair sem medo

são gotas densas em devaneios que delas tento fugir
em meus olhos molhados sinto toda a ardência
o calor febril de meu corpo que nesse instante
sente e clama tua ausência

tento achar uma explicação plausível
dessa paixão que parecia ser eterna lírica
estou fatigada e como numa batalha
sinto em meu peito a dor aguda

estática fico muda.
nesse silêncio mortal
ultrapasso mares montanhas e céus
desse amor que me corrompeu

desde o dia que em meu corpo no teu se perdeu
fecho meus olhos num sono profundo
aonde esqueço que faço parte desse mundo
adormeço a saudade de ti nesse momento.

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E O PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 2)

Com o passar do tempo, a tal tempestade não viera e duvidando de que viesse, afinal a montanha apiedou-se do pintassilgo, que se mostrava irredutível. Pediu que cantasse alguma coisa, depois que voasse para outra fenda só para ver o colorido das suas penas, pediu até que fizesse ao menos alguns passos da sua dança nupcial, o que era capaz de despertar sincera inveja da montanha. Tudo em vão. O passarinho só conseguiu emitir um único pio, mesmo assim em um tom debochado. A montanha então se indignou: quem esse cara pensa que é ― perguntou a si própria ― qualquer um dos sóis que passaram por aqui nos últimos mil anos daria qualquer coisa para me ver pedindo algo a alguém! Qualquer estrela desceria do infinito para me salvar, como se eu fosse a sua dracma perdida particular! Que raio de motivo pode ter este ínfimo montículo de penas, para recusar os pedidos tão simples de uma montanha tão maior que ele?

Raio?! Onde, onde dona Montanha? ― O pintassilgo saiu subitamente da sua silenciosa meditação. Ora, Pintassilgo, não sabia que tu és capaz de ler pensamentos. Não o sou de fato, exceto quando podem ser um indício de tempestade. Verdade? É verdade sim... Eu estava aqui quietinho, quase zen, entrando em alfa. Sei... Um zero à esquerda. Não! Um zero não. Nem à esquerda nem à direita. Mas nesse estado, a minha mente poderosa é capaz de proezas que não podes imaginar... Ah, mas que bichinho mais pretensioso. Tuas explanações a respeito são desnecessárias. Esquecestes de que sou uma montanha? Eu já dominava estas técnicas muito antes dos teus ancestrais secarem as penas. Eles foram pegos por uma tempestade, foi? Que tempestade o quê, Pintassilgo, tu tens fobia de tempestade. Então por quê ficaram com as penas molhadas? Pintassilgo... Quis dizer-te que nós as montanhas passamos a vida a meditar. E que eu já houvera feito isso por uma pequena eternidade, quando os primeiros pintassilgos migraram do mar para a terra. Entendestes agora? Não sei bem, dona montanha. Penso que podes estar a me enrolar com esta tua sabedoria. Ora, por quê? Porque se meus ancestrais moravam no mar, deviam ter escamas e não penas molhadas.

A montanha aprumou-se nas suas profundezas e pôs-se a refletir por um instante: precisava concentrar-se mais, era muita arrogância para o seu gosto, contudo até que ele era bem esperto. E também teimoso como uma pedra... ― a montanha riu-se da própria piada. Depois, pensando bem, sentiu-se compelida a reconhecer que a tal tempestade, justo por não chegar, houvera lhe feito um bem. Deu-se então conta de que havia uma velada simbiose naquela relação aparentemente pouco útil. Mais que isso. A amizade de um passarinho não deveria ser importante para quem tenha a vida de uma montanha, muito menos os seus dejetos, que já lhe pareciam suportáveis. Sequer deveria tê-lo percebido, ele não viverá tempo bastante para ser importante. Entretanto, embora isso fosse difícil de explicar, já o era. Tanto que lhe preocupava. Conseguira despertar a piedade de uma montanha!

De repente o pintassilgo cantou, arrancando a montanha das suas reflexões. E logo ele ergueu-se, espreguiçou-se abrindo longamente as asas e depois sacudiu-se todo, da cabeça a ponta do rabinho. Mas a montanha ficou dividida. Em parte era o que ela queria antes: vê-lo menos triste. Por outro lado porém, ao vê-lo assim ela teve um pressentimento desagradável. A montanha dissimulou: Ora, ora, que bom vê-lo tão bem disposto, Pintassilgo! É mesmo, Montanha. Acho que a tempestade foi passear no mar... Talvez, mas, olhe aí bem ao teu lado, estas sementes fresquinhas, devem estar uma delícia e servirão para que reponhas as tuas forças. Nossa, Montanha, eu não estive doente. É, mas ficastes aí nesta fenda quentinha por horas, como se esperasses pelo fim do mundo, e não te alimentastes nem um pouco. Sei que tu estás todo doído. Não estou não, dona Montanha, e para que tenhas certeza disso, vou descer ao vale e comer as mais tenras lagartinhas, que não agüentam subir aqui. Sementes são comida para pintassilgo com auto-estima baixa. Mas Pintassilgo, não há necessidade ― ponderou ela ― então não sabes que sob as pedras também há insetos apetitosos? Claro que sei, mas estes têm sabor de terra. As lagartas que se empanturram de folhas têm um suculento e variado sabor, dependendo das folhas que estiverem comendo. Para um pintassilgo, o vale na verdade é uma colossal bandeja de salada, hum... É simplesmente irresistível!

O bichinho parecia mesmo decidido e a montanha já se sentia irritada com tanta teimosia. Mas como, para uma montanha, não é bonito que se exploda por um reles pintassilgo, somente porque ele não quer entender os seus tão bem intencionados motivos, ela optou por mudar a tática: Se tu te contentares com as larvas que te ofereço, antes de cair a noite te contarei um segredo que vais adorar. O pintassilgo franziu a testa e refletiu. Depois tentou negociar: Talvez... Se me contares logo. Ah, contando logo não terá graça nenhuma. Mas, ao cair a noite já estará na hora de dormir, e o que vou fazer de bom com este teu segredo? Que me importa? Azar o teu ― Ela dissimulou... Caramba, dona Montanha! Não eras tu que me aperreavas para que saísse a voar por aí? Estás a me esconder algo.

(Segue)

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E O PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 4)

A se catar, como passara a fazer diariamente durante os últimos anos, a montanha se surpreendeu com algo estranho, entre ramos franzinos de um jovem arvoredo. Já havia visto coisa parecida e sabia não ser nada que a natureza produza de boa vontade. Logo a brisa trouxe um cheiro desagradável e ameaçador de fumaça, e tudo então ficou claro. Aquilo era uma gaiola, dentro havia um pássaro aprisionado e do lado de fora uma rede. O pássaro preso cantaria o seu canto, isso provocaria outro pássaro da mesma espécie, que viria reclamar seu direito aquele território e pronto, ficaria também este aprisionado para o resto da vida. Só pode ser coisa de gente ― asseverou a si mesma ― em nenhum lugar do mundo a natureza é tão cruel por tanto tempo. Embora possa parecer também cruel, o fardo do Criador é leve e o seu jugo é brando. A alguns metros para baixo dois homens, um maduro e outro bem jovem, fumavam os seus cigarros de palha, e riam, sabia Deus do que, tentando não fazer barulho.

Indignada pelo uso das suas encostas para tais fins, ela pôs-se a matutar numa forma de fazê-los correr de ladeira abaixo. Depois, em um segundo passo, encontraria um jeito de libertar o bichinho, de quem já se compadecia por demais. Até porque, ele parecia um pouco com o seu querido pintassilgo. A montanha começou então a produzir uma série de truques, como fogos-fátuos e sismos comedidos, pequenos segredos de uma velha montanha que, entretanto, não surtiram o efeito desejado e ainda assustaram a bicharada. Impaciente, a montanha batucava numa laje com as pontas dos dedos, usando para isso a queda d’água de uma tímida cascatinha que havia por perto, quando o pássaro da gaiola começou a piar a cada vez com mais disposição. Era um indício certo de que logo ele estaria cantando a todo peito. Necessário se fazia que agisse mais rapidamente, o que, para uma montanha milenar, não é lá uma coisa das mais fáceis e cômodas, a se fazer naturalmente.

Como os homens se mostravam inabaláveis, talvez insensatos por sequer imaginar o imenso poder de uma montanha, pensando bem, por demais burros simplesmente, ela optou por tentar impedir que o passarinho desse vazão aos seus impulsos canoros. Para isso, ela se aproveitou de um ventinho e se aproximou do arvoredo dissimuladamente. Chegou-se bem pertinho e, respirando antes profundamente, entrou na gaiola. Todavia, tamanho foi o seu susto, que saltou do ventinho e recolheu-se nas suas profundezas. E lá perambulou durante algum tempo. Aquilo tudo mais lhe parecia uma peça do destino. Vagou por entre as suas lembranças sem fim, relaxou nas suas profundas escuridões, onde os sóis jamais chegaram, e banhou-se nos seus refrescantes lençóis subterrâneos. Reconheceu por fim, que poderia estar fugindo da verdade, e isso é algo que uma boa montanha jamais deve fazer. As montanhas são sábias e fortes. Vivem muito e é justo que o sejam. Não conhecer uma determinada verdade pode ser um direito, mas tentar impedir a sua revelação é uma idiotice, uma fragilidade. A mentira ou a ilusão podem ser mais agradáveis à razão em certos momentos, no entanto corrompem os sentidos de ser e existir. Estava tentando criar uma certa realidade paralela e perdendo com isso um tempo muito precioso, que talvez custasse caro a outros pássaros.

Outra vez tomou-se de ânimo e voltou à gaiola. E lá, todas as suas parcas esperanças se dissolveram, à luz claríssima do sol que já se erguera todo acima do horizonte. Não podia mais negar, era mesmo o seu pintassilgo e, misteriosamente, cantava como um menino. Mas que ironia cruel! Teria que tentar interromper a sua inspiração, depois de tanto tempo lamentando a sua ausência. E nem tinha naquele momento mais tempo para as suas reflexões, pois um outro pintassilgo, pleno dos arroubos naturais da sua evidente juventude, já cantava e fazia manobras rasantes cada vez mais próximas à rede, com intuito de intimidar o outro, um velho inconveniente e abusado, um intruso, imperdoável. Embora não pudesse concordar inteiramente, a montanha percebia os pensamentos e a determinação do jovem, corajoso e afoito como todos os jovens. Mas a Providência concede maior proteção a eles, e ela estava ali para exercer esse papel. Ao antecipar que no próximo rasante ele ficaria preso na rede, numa atitude exageradamente emotiva para uma montanha, ela pressionou suas entranhas com tanta força, que os gases subterrâneos liberados provocaram uma ventania súbita e empoeirada. Correndo para encontrar um abrigo, os homens se afastaram, sem se dar conta de que o ramo não suportara o peso e a gaiola havia caído na relva.

Os segundos tornaram-se angustiadas eternidades. Ela viu os ventos se enfraquecerem até pararem por completo. A gaiola tinha uma pequena porta corrediça que com o tombo se abrira, os homens voltariam para buscá-la a qualquer instante, porém desgraçado era o desespero da montanha, porque o pintassilgo não encontrava a saída. Pulava pra lá e pra cá, estranhava os poleiros que estavam então na vertical, pendurava-se nas varetas de cabeça para baixo, porém nada de sair. Enfim, o mais jovem dos homens chegou a tempo de fechar a portinhola, satisfeito por ver o bichinho ainda do lado de dentro, e voltar ao encontro do mais velho. E a cascatinha afinou-se mais ainda, como o choro triste da montanha, perdeu a ansiedade.

(Segue)

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E O PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 6)

Naquela manhã não houve o habitual espetáculo de luzes dos coloridos véus da manhã, quando a alma da terra parece fazer vênias à chegada do astro-rei. A montanha cultivava especialmente o seu gosto por esse momento. Na verdade, ela se sentia uma montanha muito solitária, confinada em si mesma. Alimentava em segredo o sonho de, na próxima era, ser posicionada pelas contrações da terra em uma posição que lhe permitisse fazer amigas-montanhas. Tal era esse desejo seu, que em todo alvorecer de céu limpo ela adorava ficar observando as montanhas distantes distinguirem-se bem aos poucos do negrume, e as conferia como se pudessem ter dado uma saidinha furtiva durante a noite. Claro, elas estavam toda manhã nos seus respectivos lugares, mas mesmo assim a montanha gostava de fazer esse seu “confere” particular.

O sol já pairava sobre o horizonte, porém nuvens carrancudas e postas amontoadas pelos ventos, umas sobre as outras, só por uma espécie de concessão deixavam passar um raiozinho de luz, que ficava assim como cachorro-caído-do-caminhão, sem saber para onde ir. Era uma manhã escura demais. Aos seres notívagos, que já davam tratos ao lugar de dormir, restava a lamentosa conclusão de que podiam ter aproveitado mais, enquanto aos que, nos seus lugares quentinhos, esperavam pela luz do dia, a preguiça mostrava-se boa conselheira e muito sedutora.

Com um vôo curvo repentino, tirando proveito magistralmente de uma lufada de brisa, o pintassilgo tirou a montanha das suas reflexões. Esse é o meu velho e bom pintassilgo! ― Disse a si mesma a montanha orgulhosa. Ele pousou suavemente na ponta de um galho mais alto, todavia não se demorou ali. Logo decidiu-se a um vôo mais audacioso, embicando de pedra acima. Quase não conseguiu. E vendo-o depois arfar de cansaço, a montanha passou abruptamente do orgulho à mais uma preocupação: suas asas haviam perdido o vigor de antes, seu organismo já não demonstrava a mesma resistência. Isso significava que ele estava muito vulnerável. Qualquer predadorzinho barrigudo, desde que não fosse muito impaciente, acabaria por comê-lo. Desesperada, a montanha começou a procurar por todos os lados, querendo encontrar qualquer animal que representasse uma ameaça. Precisava encontrá-lo antes que ele visse o frágil passarinho. Nas redondezas haviam algumas raposas, uma pequena família, porém a montanha achou que, apesar de espertas e cheias de truques, elas eram lerdas demais para pegar um pintassilgo. Mais acima, um solitário gato-do-mato acomodara-se na reentrância de um lajedo, de onde, protegido pela relva, tinha uma vista privilegiada para encontrar seu almoço. Com imensos e atentos olhos de um verde azulado muito cristalino, ele ainda não vira o pintassilgo, mas estava perto demais para que a montanha se tranqüilizasse.

Em pouco tempo, ela viu confirmada a sua suspeita. O passarinho irrequieto acabou por despertar a atenção do felino. Não era exatamente o que ele poderia considerar um banquete, porém, apenas para o seu desjejum, até que não era mal lamber aquele coraçãozinho antes de engoli-lo. Era algo para ser mais propriamente degustado e nem tanto para abarrotar a pança. O gato bocejou, espreguiçou-se, e só então se dispôs a caçá-lo, tão certo da sua superioridade que já se imaginava palitando os dentes com a cana daquelas peninhas coloridas. Demorou algum tempo até que, muito sorrateiramente, conseguiu se posicionar para um bote seguro. Os gatos são extremamente pacientes e não gostam de errar o bote, tanto que, quando perdem a primeira tentativa, normalmente não tentam novamente. O pintassilgo havia se colocado em um galho abaixo do nível do terreno onde estava o gato, porque descobrira ali bem perto uma colméia de pequenas abelhas. Esperava a oportunidade de comer algumas delas sem, entretanto, atrair para o seu encalço um pelotão de abelhas furiosas. E de tão compenetrado, não se apercebeu do gato, que já estava bem próximo.

Roendo o sabugo das unhas nas pontas das lajes subterrâneas, a montanha era só desespero, porque o passarinho não dava atenção aos seus esforços de alertá-lo. O bote era iminente, a distância muito pouca e o bichinho nem imaginava o perigo que corria, por causa de umas poucas abelhinhas, tão pequeninas. Mas nessas horas a natureza mostra a sua complexidade. Eis que num arvoredo, próximo e acima dos dois, veio pousar um outro sorrateiro predador. Como não podia saber em quem o gavião estava realmente interessado, o gato estancou o seu bote e pôs-se imóvel, como se fosse uma pedra a mais na paisagem. Sua sensatez instintiva lhe fazia considerar que, embora os pássaros menores sejam destaque no cardápio dos gaviões, levar nas garras para o seu ninho um gato gordinho deveria ser preferível, pois assim regalaria a família toda com menos esforço.

Mesmo para uma montanha, acostumada à grandeza do tempo, aqueles segundos pareciam uma eternidade. Reconhecia que aquela era uma cena muito corriqueira da natureza, onde todos de alguma forma são predadores de uns e predados por outros, e embora seu instinto lhe dissesse que não devia interferir no curso natural das coisas, ela não suportava a idéia de ver o seu querido pintassilgo morto nas garras de outrem. Ora, havia esperado tanto para reencontrá-lo. Tinha agora a pretensão de readaptá-lo à natureza, tarefa longa e morosa. Não. Não e não. Definitivamente, não permitiria que ele fosse comido assim, à toa. Ele não seria mais que um aperitivo para qualquer dos dois, enquanto que para a montanha representava uma satisfação incomparavelmente maior.

(Segue)

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 7)

Lendo os pensamentos do gato e do gavião, a montanha deduziu que estava se repetindo ali outro fundamento da natureza: a competitividade. Pois que o gato, que antes havia adotado uma postura cautelosa, ao perceber que o gavião já vinha voando rápido e rasteiro na direção do pintassilgo, resolveu que teria de ser ainda mais rápido do que o gavião e aproveitar-se da distância bem menor a que estava do passarinho. Porém ainda mais rápida foi a montanha. Numa atitude muito condenável para qualquer montanha, no entanto, naquela situação, para ela plenamente justificada, puxou com força para dentro de si as raízes do arvoredo onde estava o pintassilgo. Assim, todos muito assustados, o passarinho levou um tombo, o gato deu um bote no vento e rolou longe, e o gavião por pouco não quebrou a asa no lajedo, ao desviar subitamente o seu rumo.

Algum tempo depois, como sempre acontece na natureza, tudo voltou ao normal e a vida prosseguiu sem grandes traumas. Mas não foi assim para a montanha. Ela havia agredido a natureza com seu ato impulsivo. Cometera uma transgressão. Usara o seu poder indevidamente e sabia que, de alguma forma, um dia pagaria um preço por isso. Até que esse dia chegasse, não obstante a distância física que havia entre elas, saberia que outras montanhas a veriam com outros olhos. Criara para si uma imagem de montanha passional, e ferira o sentimento de identidade das demais montanhas, que por isso não saberiam mais quem ela realmente era, e nela não confiariam mais. Seria pois discriminada e devia se preparar.

Para uma montanha tudo é bem mais demorado do que para um pintassilgo. É como se formassem os dois um grande lago. A tona da água seria como o pintassilgo, sua expressão externa, visível e inconstante, susceptível a uma enorme gama de fatores capazes de provocar grandes transformações em pouquíssimo tempo. Já o fundo do lago, protegido e isolado de tais fatores, onde nem mesmo pode chegar plenamente a luz solar, bem mais se assemelha à montanha. Nele nada é tão breve e tudo é mais verdadeiro e confiável. Muito a propósito, nessa dimensão da vida, não se provocam violações da naturalidade e por isso a montanha sentia-se pejada. Ela sabia que a natureza é sustentada por princípios ativos, que sempre conduzem tudo a bom termo, com base em uma sucessividade também natural, cuja mensuração chama-se tempo cronológico. A aceitação disso como verdade depende, entretanto, de que se tenha a consciência ancorada num nível universal e coletivo. Embora por inusitado e admirável sentimentalismo, ela priorizou as consciências individuais, do pintassilgo e dela própria, e por isso transgrediu. Esqueceu-se de que todas as soluções já fazem parte do todo, que ela própria representa nessa analogia. A supervalorização do nível individual da consciência, ou da sua auto-identidade, não é um comportamento adequado para uma montanha milenar, embora seja muito comum em seres que vivem menos como, por exemplo, os pintassilgos e os humanos.

O sol já ia bastante alto mais uma vez, quando a montanha estranhou o comportamento do seu tão amado amigo. Ele parecia estranhamente movido por uma força difícil de identificar, no entanto muito poderosa. Começou a piar cada vez mais forte e com maior freqüência, sem propriamente cantar, movimentava-se mais, expunha mais as penas à luz do sol e até os seus olhinhos negros pareciam brilhar mais. Impressionada e ao mesmo tempo preocupada com ele, já que assim despertaria mais o instinto dos seus predadores naturais, a montanha pôs-se a investigar mais de perto o que estava acontecendo e em alguns poucos minutos tudo começou a ficar claro.

Subindo lentamente a picada mal definida e íngreme que vinha do vale para a montanha, o mais moço dos dois caçadores, que a montanha já conhecia bem, chegava próximo ao lugar onde estava o pintassilgo. Tratava-se, com absoluta certeza, daquele mesmo que mostrara-se inconformado com a soltura do bichinho. E ele não podia estar bem intencionado, pois trazia consigo novamente uma daquelas gaiolas de caça, providas de rede, e dentro dela três outros pintassilgos, que também não paravam de piar apesar dos trancos e escorregões da subida. Não era para se acreditar que viera soltar mais pintassilgos. Seria bom demais se fosse verdade. Cansado da subida, assim que chegou ao lugar que julgou satisfatório, o homem pendurou a gaiola em um toco de galho quebrado e afastou-se, indo acomodar-se por trás do capim que cobria um pequeno lajedo, de modo a não ser visto.

Por algum tempo a montanha sentiu-se muito feliz. O seu pintassilgo cantava loucamente, como nos velhos tempos. Cantava muito e alto, eriçando as penugens do peito, esticando as pernocas e o pescoço. Parecia à montanha comovida que nunca ele cantara tanto, com tanta eloqüência, tanta emoção. Era como se estivesse cantando pela última vez na vida, reunindo todas as forças para isso, e sua consciência coletiva, entrelaçada à da montanha, o fizesse cantar compulsivamente, como se dissesse ao mundo: Eu sou o pintassilgo e esse é o meu canto, o meu papel nesse mundo e o que sei fazer de melhor!

De tal forma o seu cantar se apossou do ambiente, que todos os demais animais se calaram. Até o vento parecia quedar-se a tão bela e sonora efusividade. Com dois olhos arregalados, o caçador mal acreditava no que eles viam e no que seus ouvidos escutavam.

(Segue)

Foto de Lou Poulit

A MONTANHA E O PINTASSILGO (CONTO)

A MONTANHA E O PINTASSILGO
(Parte 8)

Porém, a eufórica felicidade da montanha de súbito cedeu os seus subterrâneos a uma terrível agonia. Ela logo percebeu que tudo era um golpe baixo. Os pássaros de dentro nada mais eram do que uma família. Para convencer o pintassilgo “fugido” a voltar para a prisão, para mostrar a ele que nunca mais seria o que foi, o caçador trouxera a sua fêmea e os seus filhotes, que piavam apenas porque nem sabiam cantar ainda. Furiosa, a montanha quis voltar a ser um vulcão, mas deteve-se a tempo de arrepender-se. Não poderia despertar tamanha força somente para despejá-la na cabeça daquele ínfimo caçador. Além do que, já tinha uma transgressão grave registrada na sua folha-corrida.

Acalmou-se para desfocar sua energia. Precisava voltar à sua dimensão consciencial, natural e soberana, e não negar ao pintassilgo o direito de escolher. Mas essa era uma tarefa muito difícil. Seu querido passarinho fora arrancado do seu abraço generoso. Passara muito tempo sendo condicionado a uma vida muito diferente, mas agora teria a chance que ele sempre esperara. Ou será que não? E se ele não o quisesse? E se sentisse medo da liberdade? Assim como não mais respondia aos apelos da montanha, com certeza perdera a sensibilidade para todas as coisas, não podia mais compreender o mundo exterior à gaiola. Fora acostumado a comer e beber do que lhe serviam, e não saberia mais encontrar alimento por conta própria. Por mais irônico e inaceitável que isso fosse do ponto de vista da montanha, ele poderia preferir a segurança oferecida por seus algozes. Pelo menos não perdera o seu canto maravilhoso, muito embora agora, isso parecesse menos importante. Mas para os seus filhotes sim, isso devia ser o que existia de mais importante. Sob o peso imenso da dúvida a montanha sentiu a conseqüência da sua ousadia. Deixara-se levar. Fora até onde montanha nenhuma houvera ousado chegar com seu comportamento. Não podia mais prosseguir sob o risco de perder-se em vão. Tudo por um pintassilgo que não quisesse, desgraçadamente, reencontrar-se. O fim das suas dúvidas não dependia mais de si, ou nunca dependera. Era preferível deixar que tudo se ajeitasse naturalmente.

Pois tudo aconteceu muito rapidamente. O gavião não resistiu à tentação de ver três refeições num espaço tão pequeno. Desceu noutro vôo rasante, passando bem próximo, na tentativa de fazer com que ao menos um dos pássaros saísse apavorado da gaiola. O gato achou que o risco já estava de bom tamanho e que poderia muito bem simplesmente esperar em um lugar mais seguro. Quem sabe? Com sorte lhe sobraria alguma coisa, pois havia mais passarinhos na confusão do que aquele gavião intrometido poderia carregar. Como a tentativa anterior não dera resultado, o rapineiro voltou e pôs-se a voar quase parado no ar, bem juntinho das varetas. Mais cedo ou mais tarde algum dos bichinhos se esgotaria de tanto se esbater, e então seria facilmente arrancado pelo pescoço, para fora da gaiola. Entendendo a malícia cruel do gavião, o pintassilgo lançou-se contra ele numa atitude heróica, pensando em bicar-lhe os olhos, golpe terrível e mortal para qualquer gavião, por condená-lo a morrer lentamente de inanição. O que se viu surpreendeu a todos.

Ninguém ali sabia, mas os pássaros engaiolados na verdade pertenciam ao caçador mais velho. Vendo-os ameaçados pelo gavião, sem ter uma justificativa para o fato de tê-los pego sem pedir, ao mesmo tempo em que o pintassilgo atacou o caçador arremessou com toda a força uma pedra, na direção do gavião. Porém em vez deste acertou a gaiola, que caiu, se quebrando e libertando os pássaros. Aquela trapalhada encheu a montanha de alegria, por ver os pássaros libertos. Mas onde havia ido parar o pintassilgo? Todos procuravam por ele. Então descobriram que estava no galho mais alto, pendurado pelo pescoço no bico do gavião. Antes que pudessem dizer uma palavra, o rapineiro achou que já estava bom e tratou de bater suas asas até desaparecer nas nuvens, com certeza na direção de uma outra montanha, onde se sentisse mais bem-vindo.

Nesse dia a montanha chorou, mas ninguém percebeu. Não foi mais uma transgressão sua. Simplesmente ela se retirou para os seus subterrâneos e lá permaneceu por muito tempo. De tão triste não queria ver ninguém, sequer tinha vontade de apreciar o amanhecer como sempre fizera. As outras montanhas que achassem o que bem entendessem, não estava mais preocupada com o julgamento delas.

Numa manhã, entretanto, uma voz que lhe pareceu familiar fez com que voltasse a atenção para fora. Não pode ser ― disse a si mesma. Então chegando ao lugar onde tudo havia acontecido havia dois anos, lá estava um pintassilgo, que já não era mais um filhote, prestes a estourar o peito de tanto cantar. E não apenas por zelo. Vinha de logo abaixo uma zoeira que o fazia aumentar o volume para ser ouvido. Era uma cascata, uma pequena queda por enquanto. Sabia a montanha que, sem imediatismos, a fonte construiria um sulco que melhor lhe conviesse, e no futuro seria uma queda ainda mais bonita. E quando depois viessem lhe admirar, todos já encontrariam aquela plaquinha rústica pregada no arvoredo, escrita com letras que mais pareciam garranchos, porém onde se podia ler com alguma boa vontade: Fonte do Pintassilgo. Não vira quem a pregara ali, porém até que estava bem bonitinha. Obra do velho caçador? Mas que tanta diferença isso fazia?

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