Calçada

Foto de Lmax

Guardanapo (aqui só) - L'(Max) (Declamado)

Estou aqui só,
E só vejo-me quando só.
O bater em meu peito,
É sombra de uns momentos,
É sopro de meu próprio vento,
É o passar dos ponteiros,
É o nada que o hoje é.
Tomo esse café amargo,
Como o gosto de meus atos.
A agonia de não ser que me resseca,
Inundo com essa água carbonizada.
Nessa calçada fria em meio a multidão,
Por minha alma só estreita a solidão.
Numa Porto Alegre úmida,
Rogo meus planos de vida,
Procuro um voltar sem ida.
Queria um gritar profundo,
Mas tenho esse pincel ao fundo,
Que num risco faz cantar o mundo .
Uma gota de cafeina corre a borda,
Espalhando-se sobre a letra.
Um guardanapo de papel amasado,
Por onde um sonho entra apressado.
Desmanchou pela beirada,
Machucou a palavra errada,
Desfez-se delicadamente em nada.
Um observar calmo me tomou,
Reinventando o que passou.
Riscando de forma banal,
Aquele rumo envolvente.
Essa poesia latente,
Me toma viceralmente.
Um veneno de coral,
Desce incandecentemente.
Entorpece a mente,
Corre as veias
Escoa em som!

L´(Max) 24.06.2008

Foto de Azul_Fogo

a sombra quente do orvalho






um dia acaba dentro de outro
começa cedo e finda dentro do outro
repetido até destruir a memória
a capacidade de escrever, de ser
acaba/começa amálgama indistinta
até renascer a vontade de ir para casa
indistinta e distante, forte depois
até dar por mim parado na rua
onde hei-de aprender a voltar a andar

à medida que caminho e me afasto
dos pensamentos onde estava
o espaço que ocupo desloca-se comigo
na tarde íngreme da calçada
onde estriba o eléctrico outra vez
cheio de risos e de sonhos, ao longe
aproximo-me de outros pensamentos
passo por passo - quieto.

(continua)



Carlos César Pacheco, Novembro de 2005


Nota: todos os textos neste espaço estão registados no IGAC, mas podem ser livremente copiados, desde que me mencionem como autor, tenham link para http://forteondaserena.blogspot.com/ e reproduzam esta nota, sem alterações.

Foto de Sonia Delsin

CHÁ DE ROSAS...

CHÁ DE ROSAS...

Maria Lúcia tentava deixar a mesa bem bonita. A amiga Leonor era tão reparadeira.
Ela nunca fora muito de arrumações. Na verdade odiava estes detalhes de mesas bem arranjadas.
Etiqueta não era com ela.
Gostaria que a amiga se sentasse na cozinha mesmo e as duas se pusessem a conversar como nos velhos tempos.
Que tempos aqueles!
─ Puxa! Como seus peitinhos cresceram, Malu!
─ Leonor, cria modos, menina!
As duas cheias de segredinhos. Mauro era lindo e as duas o desejavam.
Desejavam sim, por que dizer o contrário?
Os milhões de hormônios. Quinze anos. Malu tão triste sempre. A falta da mãe e Leonor a lhe fazer companhia todas as tardes.
─ Ela melhorou, Malu?
─ Que nada. Nunca mais sai daquela clínica...
─ Como pode? Uma mulher tão bonita ir parar num lugar daqueles. Tenho pena de você. Sabe que sou sua amiga até embaixo d’água. Pode contar comigo sempre.
O abraço da mocinha a confortá-la.
─ Ele passou pela calçada hoje e só faltou torcer o pescoço de tanto olhar para trás.
─ De quem está falando?
─ Do tonto do Jonas.
─ Ainda vai se casar com ele.
─ Isto é que não. Malu, eu quero o Mauro.
─ Ele gosta da Vânia.
─ Que sortuda ela é! Os olhos daquele cara são de matar...
Enquanto arruma a mesa Maria Lúcia se recorda dos tempos da juventude.
Leonor se casou mesmo com Jonas e como se deu bem na vida. Não poderia encontrar melhor marido. Mauro não se casou com a Vânia. Acabou mudando e casando-se em outra cidade. Voltou umas duas vezes à cidade e todos comentavam que ele se casou com uma mulher muito bonita.
Ela se casou com Normando e foram felizes naqueles dez anos que passaram juntos, mas a morte o levou cedo demais. Marina ainda não tinha sete anos quando ele se foi.
Irmãos ela não tivera, e a amiga de tantos anos não era a mesma de antes.
Malu não era de fazer amizades com facilidade e vivia muito só. A filha já estava com nove anos e estudava à tarde. Leonor havia ligado que viria para um chá.
A amiga ficara cheia das frescuras e ela continuava a ser a mesma de sempre.
Vestia um longo vestido indiano, que era como gostava de se vestir. Nos pés trazia umas sandálias leves. Os cabelos ainda continuavam muito negros e ela os trazia pelo meio das costas.
Era uma bela mulher. O sofrimento não lhe marcou o semblante.
Acabou a arrumação da mesa, ligou o som num volume bem baixinho e ficou a aguardar que a amiga chegasse. Ainda tinha vinte dias de férias pela frente.
Pensara em viajar, mas a filha estava em aula. Não conseguira desta vez conciliar as férias da filha com as suas.
A campainha a fez sobressaltar-se. Já estava a divagar. Havia se esquecido que aguardava a amiga.
Foi atender e a aguardava uma enorme surpresa.
Mauro! Não mudara tanto naqueles anos.
Ele estendeu a mão.
─ Como vai, Malu?
─ Bem, e você? Que surpresa!
─ Soube que ficou viúva. Sinto muito por você. Só fiquei sabendo há uns três meses. Meu primo esteve me visitando e contou.
─ Fico grata que tenha se lembrado de vir até aqui...
─ Eu tenho muitas coisas a lhe contar...
─ Estou aguardando uma visita.
─ Quem?
─ Espero a Leonor.
Mauro franziu a testa, demonstrando desagrado.
─ Volto outra hora.
─ Estou de férias. Volte amanhã para conversarmos.
Com um abraço ele se despediu.
Depois de dez minutos a amiga chegou e Malu notou que Leonor estava excessivamente maquiada, vestia uma roupa de péssimo gosto, trazia os cabelos numa cor exageradamente avermelhada.
Beijou-a e a fez entrar na casa, tentando uma conversa amigável.
Não gostou quando Leonor fez alguns comentários desagradáveis, mas tentou ignorar.
Diante da mesa ela comentou que havia ficado a desejar com a arrumação da mesa.
Malu havia aprendido com o marido que os calados sempre vencem e ela o recordava ainda mais neste instante.
Normando nunca gostara de Leonor.
─ Que chá preparou para nós?
─ Um chá de rosas...
─ Que horror! Eu não tomo uma coisa destas...
Malu a olhou demoradamente nos olhos e descobriu que a amiga de tantos anos se tornara uma estranha. Uma estranha!
─ Estou brincando. Preparei o seu chá preferido. Chá preto.
─ Quem lhe falou que gosto de chá preto, querida? Eu gosto de chá mate natural. Natural...
─ Eu preparo num instante...
A mulher seguiu em direção à cozinha. Não diria à amiga que Mauro estivera lá. A intuição lhe dizia que nada deveria contar.
Preparou o chá rapidamente, por sorte tinha uma caixinha de saches de chá mate.
Agüentou pelo resto da tarde as conversas banais da amiga e esta por fim comentou sobre Mauro.
─ Se recorda como éramos loucas por ele, Malu?
Maria Lucia nada disse. Ficou esperando que ela falasse.
─ Ele está separado. O casamento não deu certo. Dizem que tem um filho e vivia um inferno com a mulher.
Ela ficou a ouvir sem nada comentar.
Logo que a amiga saiu, ela foi até o colégio buscar a filha, que naquele dia tivera aula de reforço. Marina tinha muitas dificuldades em matemática.
As duas voltaram abraçadas. Marina era muito alta, quase a alcançava aos nove anos. Havia puxado ao pai.
Ela contou à filha que a amiga Leonor passara parte da tarde com ela e ocultou que um velho amigo também a visitara. Achou que seria melhor nada comentar.
As duas jantaram e ficaram vendo TV.
─ Gostaria tanto que estudasse de manhã, minha filha.
─ Mamãe, sabe que tenho preguiça de me levantar cedo...
Ela acariciou a testa larga da filha e ficou recordando o marido. Ele fazia falta, como fazia!
Beijou a filha e as duas foram dormir.
Mauro voltou a visitá-la no dia seguinte.
Ela vestia um velho jeans e uma sapatilha de tecido. Os cabelos estavam presos com uma pequena presilha no alto da cabeça.
Estava muito bonita e se divertia com um jogo de quebra-cabeça da filha quando a campainha tocou.
Mauro também vestia uma calça jeans e uma camisa azul clara. Quase na tonalidade de seus olhos.
Ela o convidou a entrar e ele se encaminhou até o quebra-cabeça quase montado, encaixando rapidamente as peças que faltavam.
Malu ficou a olhá-lo quietamente.
─ Não me convida a sentar?
─ Claro. Sente-se. Fique à vontade, Mauro.
Ele se sentou numa poltrona e ela puxou outra bem à sua frente.
─ Também estou só ─ disse ele.
─ Não entendo porque me procurou...
─ Sempre fui apaixonado por você. A Leonor vivia a me dizer que você não podia nem me ver. Passei quase toda a minha vida sonhando com você. Por fim acabei indo embora daqui quando a vi casar-se com o Normando.
Ela o olhou demoradamente.
─ Apaixonado por mim?
─ A Leonor nunca contou?
─ Não. Ela me dizia que você era apaixonado pela Vânia.
─ Tantas vezes eu a procurei e pedi que lhe falasse que eu a amava.
─ Não posso crer.
─ Estou dizendo a verdade.
─ Não posso crer que minha amiga tenha feito isto comigo. Ela sabia que eu também...
─ Você o quê?
─ Eu também o queria tanto...
Mauro levantou-se da poltrona e pegou a pequena mão de Maria Lucia entre as suas.
─ Sonhei tanto com você. Tanto que nem pode imaginar. Quando aqui cheguei pensei em procurar a Leonor para pedir que viesse lhe falar de mim, mas a vi um dia ao lado do marido e ela me olhou de uma forma que me fez desistir. Em seu olhar havia algo que não gostei nada.
Os olhos de Malu o fitavam e Mauro aproximou-se dela ainda mais. Sua boca a procurou e quando deram por si estavam se abraçando e beijando apaixonadamente.
─ Eu nunca a esqueci. Casei-me com a Dora para tentar esquecê-la, mas cometi um grande erro. Um casamento destes nunca dá certo.
─ Eu fui feliz com meu marido. Ele era uma pessoa maravilhosa.
─ Fico feliz por você. Eu vivi num inferno. Por sorte me libertei. Sinto pena do pequeno Franco que sofre sem ter culpa de nada.
─ Quantos anos tem seu filho?
─ Seis anos. É um menino de ouro. Eu pensei em continuar casado com a mãe dele, mas quando soube que você estava só fiquei maluco. Tivemos uma discussão e a deixei.
─ O que pretende fazer?
Gostaria de me acertar com você.
─ Não é tão fácil, Mauro. Temos filhos. Tenho meu trabalho aqui e você mora em outra cidade. Minha filha precisa de mim, seu filho também...
Abraçando-a ele não deixou que ela continuasse e falou:
─ Você me quer, sua boba... isto é o que importa... vamos morar em outro lugar... começar uma vida nova. Eu cuido de sua filha como se fosse a minha.
─ E o seu filho?
Ele baixou os olhos tristemente.
─ Eu o perdi a partir do momento que deixei a mãe dele. Dora nunca me perdoará... ela é uma mulher vingativa. Vai fazer tudo para que meu filho me odeie.
─ Ele não o odiará.
─ Você não conhece aquela mulher.
Malu estreitou-se nos braços que a enlaçavam e deixou que a paixão comandasse sua vida. Na verdade nunca estivera apaixonada pelo marido. Tinha-lhe carinho, respeito, mas não o amara. O sentimento que guardara no peito desde os tempos da juventude lhe explodia no peito. Mauro sempre estivera em seus sonhos. Acalentara por tantos anos o sonho de ver-se olhada por aqueles olhos azuis.
Estava na sua hora de ser feliz. Tudo o mais não importava tanto. Importava mesmo é que se sentia a mais feliz das mulheres.
Começariam sim uma vida nova.
Lamentava por Leonor que lhe dera abraços de Judas. Fora traída por ela e não lhe tinha ódio, mas se afastaria dela de uma vez por todas. Nunca mais lhe prepararia chá algum...
Recordou o olhar azedo quando comentara banalmente que havia preparado um chá de rosas...
Ela perguntou-se como alguém conseguia agir daquela forma e com tanta naturalidade. Não sabia se doía mais perder a única amiga que tinha ou constatar que ela na verdade nunca fora sua amiga.

Foto de Vadevino

O MENDIGO

O cheiro humano
Encalacrado no pano
Da vestimenta surrada;

Barba longa, farta cabeleira,
Cruza a cidade inteira;
À noite, dorme na calçada.

Faminto, rebusca o lixo,
Como se fosse um bicho
E não um ser curitibano!

Malgrado o jeito selvagem
É ele, um personagem
Do injusto cenário urbano!

Foto de Rosinéri

UM MENOR ABANDONADO

- Hei!... Olhe para mim, toque em minha mão,sinta o calor do meu corpo, estou aqui,eu existo, ainda resta um brilho em meu olhar.
Não sinta nojo de mim, nem sei de onde vim,só sei do frio nos bancos de praça, vendo os pés das pessoas passando sem me olhar.
Às vezes penso que sou um lixo posto fora, como um papel amassado e jogado na calçada.
Outro dia vi minha imagem na vitrine de uma loja...
Eu sou tão pequeno, não tenha medo;- Sabe tio! Eu tenho tanta vontade de sentar em algum colo, destes que estão aí na praça, vazios e encostar minha cabeça em seu peito, ouvir seu coração batendo, beijar seu rosto,sentir suas mãos em meus cabelos,mas ninguém parece se importar com isso.
Esta manhã um vovô alimentava os pombos, corri até ele com os braços abertos,mas fui mandado embora, pois não queria que espantasse os bichinhos.
Nestas horas eu queria ser uma pombinha,talvez assim alguém gostasse de mim e eu não choraria todos os dias, pois é muito triste não ter o amor das pessoas. E nem comida pra comer
Mas hoje não senti frio!... O dia estava lindo, não chorei, pois apareceu um homem de roupa branca, barba, com a bondade no olhar ,pegou minha mão e disse-me: - Vim te buscar filho!...Você é muito importante para todos.
Fiquei muito feliz ao ver que estava flutuando e subindo junto com ele, sem fome, sem frio e certo de ser amado.
E lá embaixo ficou aquele menino que ninguém queria, inerte, caído ,mas com um sorriso nos lábios certo de nunca mais sentir frio, nem fome e de ter todo o amor do mundo para sempre.

Foto de Sonia Delsin

O AMOR É COMO UM RAIO

O AMOR É COMO UM RAIO

O amor é como um raio que corta os céus.
Ele chega e muda tudo.
O branco e preto se colore inteiro.
O amor é tiro certeiro.
O coração de quem ama se despedaça quando o ser amado parte.
Algo nele se reparte.
E um todo nunca volta a ser em todo seu viver.
O amor é loucura doce.
É bem que mata.
É mal que cura.
O amor é isto que não se explica.
E que tudo esclarece.
O amor é silenciosa prece.
O amor é cavalo galopando em noite enluarada.
É estrela caída na calçada.
O amor é lareira em noite gelada.
É um raio que atravessa mundos...
O amor é isto que me faz sobrevoar o abismo.
E observar o istmo.
E observar a bailarina novata na corda bamba.
Temendo o tombo.
E ainda assim arriscando...

Foto de Sonia Delsin

SE ESTA RUA FOSSE MINHA

SE ESTA RUA FOSSE MINHA

Lembro mamãe cantando.
Se esta rua se esta rua fosse minha eu mandava eu mandava ladrilhar com pedrinhas com pedrinhas...
Quem não se lembra?
Pelo menos os da minha faixa etária devem recordar.
Minha mãe vivia a cantarolar.
E eu herdei isto dela.
Adoro música e estou sempre cantarolando.
A vida é melhor quando a passamos cantando.
Se esta rua fosse minha eu mandaria plantar uma árvore frutífera defronte a cada residência.
Queria ver a cidade lotada de frutas.
Sempre uma estaria produzindo.
Este é um sonho meu.
Uma cidade muito arborizada.
Não gosto de ver calçada pelada.

Foto de Carlos Lucchesi

O Cordão Mágico de Ellen

Naquela tarde de domingo,
Caminhava pelas ruas da cidade deserta,
Quando algo chamou minha atenção:
Uma menina solitária numa janela entreaberta.

Poderia ter passado despercebido,
Não fosse ouvir sua voz suave dizendo:
"Ei moço, conversa aqui um pouco comigo!"
Já estava um pouco adiantado e, ao voltar,
Prestei mais atenção,
No objeto que ela segurava na palma de sua mão.

Ela o olhava com tristeza,
Algumas vezes pensativa,
Ergueu um pouco a cabeça e disse:
"Moço, esse cordão mudou a minha vida".

Confesso que não levei muito a sério,
As palavras por ela ditas,
Pois como poderia um simples cordão,
Mudar a vida de menina tão bonita?

Ela abriu aquela porta
E, na calçada, ao meu lado então sentou,
Ainda com o cordão entre os dedos,
Sua história começou...

"Sempre fui menina esperta,
Sorridente e divertida,
Até que um dia, encontrei este cordão,
Que transformou a minha vida.

Estava lá jogado ao chão,
Sem nenhum dono aparente,
E ao parar para pegar,
Notei nele um brilho diferente.

Pra casa o levei,
Com ele me tranquei no quarto,
E quando da bolsa o tirei,
Surgiram luzes por todos os lados!

Uma voz dele surgiu,
E disse no meu ouvido:
- Agora que me encontrou, seu destino deve ser cumprido:
Sou o conhecimento do futuro, do tempo que vem adiante,
O atalho para os caminhos e o desvio dos perigos constantes.

No início achei bom,
Mas logo tive uma certeza:
Que o mesmo cordão que me deu o poder de ver as alegrias futuras,
Me fez ver também as futuras tristezas.

Moço sou menina adolescente,
Não quero este conhecimento do futuro,
Prefiro caminhar passo a passo
E construir meu próprio rumo.

Pra me desfazer desse achado,
Existe uma condição:
Fico livre do seu poder mágico,
Se ele for pra outra mão.

Faça dele o que quiser,
Desfaça esta magia,
Quero voltar a ser menina
Vivendo com alegria..."

Não tive como recusar
O pedido da tal menina,
Carrego comigo o cordão,
Cumprindo assim a minha sina...

Nunca mais caminhei nas tardes de domingo
Pelas ruas desertas,
Tranquei-me em meu quarto e sob as luzes mágicas do cordão,
Me transformei em poeta...

Foto de Wilson Madrid

O SÁBIO DESCAMISADO

*
* CRÔNICA
*
*

19:00' de um dia do mes de maio de 2003.

Tróleibus - linha 4113 - Praça da República – Gentil de Moura, São Paulo.
No interior do tróleibus lotado, os passageiros que estão espremidos e em pé enfrentam dificuldades para andar em direção às portas de saída ou para ajeitarem-se no corredor do veículo para dar passagem aos demais.
Faz calor e as pessoas suam. Algumas que estão sentadas cochilam, cansadas por mais um dia de trabalho. Algumas poucas conversam; a maioria segue calada, cada uma refletindo sobre os seus próprios problemas, sonhos ou ilusões.
O trânsito fica congestionado e o tróleibus fica alguns minutos parado, sem poder continuar sua viagem; sem movimento e sem a ventilação natural das janelas, o calor e o desconforto aumentam.
De repente, na calçada, surge um homem maltrapilho, sem camisa e com barba mal cuidada; aproxima-se da lateral do tróleibus, olha para os passageiros, sorri um sorriso meio desdentado e irônico e começa a cantar, com uma melodia original, toda própria dele: “Ê vida de gado... povo marcado... povo feliz....”.
Como o tróleibus demora a partir, ele repete várias vêzes os mesmos sorriso e refrão: “Ê vida de gado... povo marcado... povo feliz...”.
Os passageiros começam a se entreolhar. A maioria continua séria. Duas moças ao meu lado não resistem e dão risada e eu, também não resistindo, comento contente: "é Zé Ramalho... ele conhece..."; elas não comentam nada, continuam felizes e continuam a sorrir. O tróleibus parte, o mendigo desaparece das nossas vistas e todos voltam para os seus pensamentos, alguns, talvez, refletindo sobre significado do ocorrido.
Eu, de minha parte, fiquei curioso em saber o que passou pelas cabeças daquelas pessoas, principalmente daquelas que riram... Será que elas riram do mendigo? Será que elas riram da situação? Ou será que riram para disfarçar a vergonha? Afinal de contas aquela linha serve apenas bairros de classe média e muitos passageiros trajavam terno e gravada e muitas passageiras também estavam elegantemente vestidas. Será que, apesar de muito conhecida na época em que foi tema da “novela das oito”, conheciam a canção “Admirável gado novo” do genial Zé Ramalho, poeta, profeta e cantador da Paraíba? E mesmo que tenham acompanhado a novela e conheçam a canção, será que elas já tem consciência de "que fazem parte dessa massa, que passa nos projetos do futuro"; e de que "é duro tanto ter que caminhar, e dar muito mais do que receber"?
Tive que me conformar em ficar sem respostas quanto à essas dúvidas, porém, apesar de saber que infelizmente eu provalvelmente nunca mais voltaria a vê-lo, fiquei com a certeza de que, ao contrário do que alguns cidadãos de terno e gravata e algumas cidadãs elegantes que viajavam naquele tróleibus, o homem maltrapilho, sem camisa e com barba mal cuidada, dormiria tranquilo e despreocupado, naquela noite fria que se anunciava, num canto qualquer de alguma praça de São Paulo, tendo por travesseiro a sua consciência e por cobertor a sua sabedoria...
O tróleibus continuou sua viagem e uma última dúvida me surgiu: será que, além de considerá-lo louco e engraçado, algum dos passageiros percebeu, na figura daquele homem, crucificado pela nossa injustiça social, uma das faces pelas quais Jesus Cristo se faz presente atualmente no meio de nós?
Chego ao meu destino, desço do tróleibus, caminho pela avenida Nazaré e sinto, finalmente, uma suave e refrescante brisa, que me faz usufruir de uma pequena amostra do maravilhoso efeito do desfraldar da bandeira branca da paz...

Foto de Cabral Compositor

Num Piscar de Olhos

Num Piscar de Olhos

Catou um monte de ideias
Saiu pelas ruas, viu arvores, esquinas e comercio
Muita gente em vestes
O calçamento, cores nos carros, nas casas, em tudo
Cheiro de café, de flores
Um grito, uma musica e o canto dos pássaros
Ruido de motores, uma velha varrendo a calçada, folhas secas caidas
Uma praça, uma torneira aberta
Um céu azul e nuvens brancas
Um varal com roupas ao vento
Um Sol, nem quente, nem morno
A alma e as batidas do coração
Uma oração na mente
Um sonho, uma vida em frente
Uma brisa leve
Um dia, um tempo nesse momento, na memória, na historia
Num piscar de olhos atentos
E as mãos em poesia

Páginas

Subscrever Calçada

anadolu yakası escort

bursa escort görükle escort bayan

bursa escort görükle escort

güvenilir bahis siteleri canlı bahis siteleri kaçak iddaa siteleri kaçak iddaa kaçak bahis siteleri perabet

görükle escort bursa eskort bayanlar bursa eskort bursa vip escort bursa elit escort escort vip escort alanya escort bayan antalya escort bayan bodrum escort

alanya transfer
alanya transfer
bursa kanalizasyon açma