Blog de JGMOREIRA

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PIEDADE

PIEDADE

Chamo teu nome todos os dias
Em todas as línguas
Até nas que serão inventadas
Quando desvendarem o idioma
Que recheia minhas palavras.

Tuas portas não se abrem
Mesmo que recite todos os teus livros
Até os que andam perdidos
Em mares mortos e esquecidos
Transformados em deserto desmedido

És a minha rocha abissal
Que me enche olhos e alma
Que me assombra, colossal
Sem entender minhas evocações
Preces, lamentos, devoção.

Meus dentes se gastaram rangendo
Nas noites de medo assustoso
Quando teu nome sem semblante
Rodopiava na minha língua
Que é a de todos os amantes.

Senhor, dizei uma única palavra
E me terás salvo de mim
Da dor desse amor sem fim
Que, se antes alimentava,
Alimenta-se, agora, de mim.

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A MÃO QUE ACENA

A MÃO QUE ACENA

Toma essa mão que acena adeus
que desentrava toda a tristeza do mundo.
U'a mão pálida
um olhar soturno. E toda a tristeza do mundo.

Mergulho meu dia na luz malsã do mercúrio
passando o dia todo, todos os dias
passando por mim,
pensando que passo no mundo.

Não! Não farei como os poetas abnegados
que deixaram nomes encravados em placas
largaram obras belíssimas aos olhos do mundo.
Passarei em claro, deitarei em escuro e terá sido tudo.

E será tudo passar assim pelo mundo ?
Se olho, não vejo; se vejo,não escuto.
Se amo não odeio; se quero, discuto.
Discuto comigo nas serras da minha cabeça
procurando caminho na aurora
aurorescendo que esse caminho aconteça.
Que aconteça de repente, feito nascimento
para que todos os caminhos desapareçam
só restando um caminho
e eu seja criança que se alimenta
de um caminho que a abasteça
que me faça dono do mundo,
senhor das coisas e da razão.
Criança vestida de homem
posando para retrato no jardim
enquanto espoucam as luzes dos dias na sala.
II
AH, toma essa mão que acena adeus.
Repousa todas as mãos e restará essa
que desentranha toda a tristeza do mundo.

Em casa, escutando sons familiares
louças que entretinem, água que jorra
parentes que falam...Essa é toda a vida.
Mas terá vida essa vida de família pelos ares ?
Será vida acalentar nesse quarto o sonho da vida ?
Será vida amassar mil papéis da vida ?
Escrever mil linhas e chamá-las vida ?

O que será viver se passo em branco
todos os meus dias? Não altero nada
não provoco nada, não amo nada
sinceramente. Desejo mil coisas
e passo por elas, tão perto,
que meu desejo fica contente

E ri meu desejo em minha boca
E presto atenção no gato do hotel
na senhora que lava o rosto na pia na área
na menina que grita mãe!
Nas danças de rua nas portas dos bares
Atencionado em tudo, estaciono
Paro. Mole e parvo, à beira de tudo
E não mudo nada, nada mudo
Por isso,
toma essa mão que acena adeus
Pergunta a ela
se é viver passar ao largo do mundo.

Mas pergunta ríspido e forte
que essa mão tonta
às vezes faz-se de surda
para passar sem resposta
a tantas perguntas absurdas.
III
Toma essa mão que acena adeus
Reconforta-a no desenho do teu seio
Aqueça-a com o calor do teu corpo.
Não tenha medo do homem atrás da mão !
O homem é uma coisa de pó
finíssimo, que toma a forma de jarro
onde derrama-se uma gota de poesia.
Forma-se o miraculoso barro

d'onde surge essa mão
que levanta-se do pó para tornar-se mão
para acenar adeus à própria vida
ou a vida do próprio irmão.

Quantas vezes o homem detrás da mão
bem oculto pelas falanges aneladas
esteve louco de tanto olhar
e não ver outra mão?

Eram jarros sem pingo de poesia
que marchavam lá fora
Rolavam, chocando-se com tanta força
que rompiam espalhando o pó
Pó tão espesso, tão pesado
que logo tomou a cidade
Cobriu o céu até não se ver estrela.
O pó alevantado não assentava
Tranquei-me em livros, armadilhas de amar,
em corpos frios de copos vazios
cofres antigos de segredos perdidos
Mas o pó me achou
A poeira pesou meus ombros
Eu a respirei
Quando abri a janela, não pasmei:

estava infecto, imundo, não ventilado
Aquele pó era o mundo
O mundo não cabia no vaso.

Toma, urgente, essa mão que acena
Beija-a, abraça essa mão que não repousa
que insiste acenando adeus
coberta de um pó que não se afugenta.
IV
Oiço tantos sons familiares
o relógio, a buzina, o assobio desafinado
os passos da menina, o grito do soldado
Nessa janela, abismado
confirmo com meus olhos
que minha família está pelos ares
Durmo preocupado
sonhando com o pó envenenado.
V
Vamos, toma logo essa mão
Não a deixa ao acaso
tentando erguer-se da mesa
estando o corpo anestesiado.
Não te apavores, amada, não te apavores!!
Hás de ver tantas mãos acanhadas
que hás de implorar pela minha mão que te acode
empurrando teus passos pela estrada.
Minha mão, no silencio da chuva que desaba
está fria, morta, quieta
lutando contra o vício que a descarna.
Minha mão não quer ser poeta
não quer o formol das estantes
não anseia taças
póstumas pousadas na sua palma sem semblante.
A mão quer a paz dos arvoredos
quer o canto das aves trinadoras
o vôo da rapina mais absoluta
a envergadura de asas perfeitas
Minha mão quer dormir um sono tranquilo
sabendo que a poesia pulou o muro
saiu do quintal esquisito
veio cá fora respirar ar mais puro.

Minha mão quer liberdade
quer justiça.
Uma justiça sem mãos
sem crinas
Minha mão que acena adeus
não quer abrigar sonhos em sua morada
Não quer estalar patíbulos
não escalar horas marcadas

Minha mão quer ser amada !
Quer que tu a toques com cada dedo da tua alma

Minha mão que acena adeus
acena a Deus
que do longe das estrelas
acena duas mãos perfeitas
à minha mão deformada.

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ENCANTADO

ENCANTADO

A mim tu me pareces mais bela.
Comparo-te à flor que águo
toda manhã ao acordar e abrir a janela.

Não consigo imaginar viver sem ti
É exercício demais para minha dor
Verdade, não consigo imaginar-te sem mim

Essa proeza de viver cada dia
seria impossível sem tua existência
A tua presença do mundo me alivia

Quando contigo ao meu lado, estremeço
O estômago gela, o coração dispara
A boca seca e a Deus, apenas, agradeço.

Agradeço por cada dia vivido ao teu lado
por cada minuto concedido do teu abraço
por todas as noites que velei acordado

admirando tua beleza durante o sono
Pelo jeito de aconchegar-se ao meu corpo
procurando meu calor no teu sonho

Nesses anos, todos as coisas mudaram
Tantos inventos, novidades que são magia
Mas meus olhos de ti nunca se cansaram

Entraste em mim um dia, despretensiosa
Sem que eu quisesse, sem que pretendesses
Desde então nunca mais horas mortas

Todos os dias foram vividos ao frenesi
Meu coração sempre esteve em festa
Eis um dos motivos pelo qual nunca trai

Depois de ti, todas as outras eram pessoas
Os desejos foram moldados para teu deleite
Nunca mais me convenceram de outra coisa

Os nossos anos foram passando, esbeltos
Tudo o que criamos foi tomando rumo
Mas nada do que passou construiu deserto

Nossas mãos, de tanto caminharem unidas
fundiram-se em uma só, que não se desgarra
Os braços, de tantos abraços, são uma só vida

Quando acabarem os passos
quando cerrarem os olhos
permaneceremos no abraço

Em outro lugar, qualquer que seja
estarei debruçado sobre ti, velando
ainda, embevecido pela tua beleza.

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SONHO

SONHO

Eu tenho um sonho que carrego comigo
de um dia ser livre, plenamente livre
como fui um dia quando era menino

Esse sonho se depara todos os dias
com a crua realidade da minha vida
que é a obrigação de vencer os dias

Eu não queria vencer nada, lutar;
sequer que fosse o viver uma disputa
Queria apenas poder a cada sol, brindar

Mas eis que me aparece à frente um amigo
preocupado com seus ganhos e não comigo
e me conta a história de um negócio perdido

Ouço porque tenho ouvidos e quase expluo
no desejo de dizer-lhe para tirar os sapatos
sentar no meio-fio e esquecer o mundo

Tenho documentos para assinar, café à mesa
Fumo sei lá quantos cigarros para suportar
a faina à qual o corpo empresto com tristeza

Tenho que percorrer quilômetros e sumir
dentro de um prédio onde não conheço ninguém
Tenho. Tenho que me segurar para não fundir.

Mas acalento esse sonho de ser livre
Essa vontade incontida de esquecer o tenho
e apenas ser um menino que apenas vive.

Não sei onde acabará a minha história
Mas não queria ser encontrado derrotado
dentro de um apartamento sem nenhuma glória

A glória de ter conseguido, antes do fim
atingir a maioridade do meu ser e existência
tendo sido, na minha velhice, o menino que vive em mim.

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CARGA

CARGA

Os autos resfolegam no asfalto
uma paquidermidez mecânica.
Acelerações desesperadas causam-me sobressaltos.
Eixos, rodas, balancins, marchas
entram pela janela da casa para dentro de mim,
o lar.
Nao durmo o sono dos justos que há
foram alcançados: gritos, notícias: jornal:
circula O DIA pelas gares da Central.

Minha casa é uma fresta às máquinas
e às bestas. Sou todo pegajosidades
nessa cidade de 38 graus.
O ventilador excita uma onda quente
de ar empoeirado, repleto de ferro
e asco que entram pelos poros, narinas
ficando depositados em minha saliva.

Assim me construo: com ferro e nojo,
honra e desprezo,
trabalho e desejo.

Urros e sussurros, gritos e maquinarias
entram dentro de mim, o lar,
erigindo outro homem em outra casa.
Um ser sem rupturas e desemocionado
que, monolito, contempla o absurdo
permanecendo inatingível e calado.

Meu sono é repleto de engrenagens
e aceleradores pisados ao fundo.
Quando durmo, o outro se levanta
para ver as hordas que se agigantam.

Pela fresta penetram os berros
de quem marreta as rochas da solidão
daqueles que, em outros lugares,
respiram ares do mais puro algodão.
Os condenados ao trabalho forçado
de viver quebrando montanhas de granito
buscando passagens para o existo,
reúnem-se, às vezes, as vozes aos gritos.

O coro de ódio impotente da matilha
rompe meus cristais, rasga as cortinas
penetra, impiedoso, em meus tímpanos.
Levanto-me, sabendo acabado
o tempo das filosofias.
Uma consciência histórica de invalidez
abate-se sobre meus ombros
que arqueiam sob o chuveiro:

O peso do desamparo de uma raça aturdida
pela ilusão incontida e homérica
de descobrir dentro da pobre prôa de suas quilhas
um rumo certo pelo qual atinja-se Américas
ricas e prósperas, fecundas e fantásticas,
de um chão que desnecessite empenho
para forrar estômagos chupados.

E é com imaginaçãoo e engenho
que a turba inventa embarcaçoes,
benze-as, invoca bons augúrios,
lança-se ao infortúnio
de um mar sem contemplações
habitado por titãs e deídades malígnas
que lhes rasgam as velas com garras latinas.
Náufragos, homens mulheres e crianças
são atirados por ondas precisas
às praias que a isso circundam.
Por cá ficam, desesperados,
a rondar bares esféricos
com o corpo na miséria
a esperança em Américas
que seus olhos avistam longe,
esperando, esperando, esperando...

(Proliferam seus pesadelos.
Juntam-se, às vezes, para relembrar
um tempo em que ousavam navegar.
Filhos, olhos de América e de choro,
engrossam as fileiras do côro
que urra suas misérias
para dentro da janela
onde um angustia-se
outro observa
e com mãos de estivador nesta página os encerra)

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MÃOS INÚTEIS

MÃOS INÚTEIS

POESIA: sem a cor das tintas
A surpresa das vistas
Adentrando casas esquisitas
Surgentes de cada linha
Não há honra, não tem vida.
Assim, tornam-se vãs
As mãos de barro
Que tecem fumaças
Com matérias ao acaso
Mãos tão inúteis
Que delas a própria morte
Se ri em acessos.
Mãos de vasos
Cheios de antúrios
Apodrecendo no porão
Longe do sol
De outras mãos: INÉDITA

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MEZZANINO

A casa onde moraria É bela
porque nao resido nela.
Fiz as malas, embalei os livros
desmontei a parca mobília.
SÓ nao mudei.

A casa vista daqui, tao longe,
é bela, enorme, nao me cabe.
Nao suportaria morar naquela
casa e sair pelo jardim
que dá para uma rua quieta
pela qual nunca passei.

A rua que nao conheço
está arborizada e casas
iguais a que não é minha
perfeitamente iguais,
dão para jardins simétricos
ao que não é o meu.

Coisas a mim igualizadas
saem para o jardim
acompanhadas de quatro
cães com os nomes dos elementos.
Daqui, tao distante mas visível,
vejo-lhes o riso de afago nos lábios
e o amor com que os cães os festejam.
Eles apanham no escaninho
cartas que nunca receberei.
A caligrafia redonda do emitente
lembra-me a minha de adolescente
e reporto-me a tempos distantes
e nao mais visíveis quando escrevia
cartas que eu nunca respondia
a mim mesmo.

Apoiando a mão esquerda no muro
um dos homens que nao sou eu
observa a rua (na direita, as cartas).
Sob as árvores, cegos arrastam
gatos pelos rabos.
Eu nao os vejo, o homem sim.
No mezanino, lateral da casa,
crianças pulam dentro do sol
para cima do telhado
(elas tem parte com os gatos)
até‚ pularem para dentro de abril
e de lá para dentro do homem
que abre a porta e sobe ao sotao.

O homem entende coisas que eu
desconheço, embora a ele se me
pareça eu, e por isso sorri,
esbelto, com o sol de agosto no rosto.
Ele fala do amor aos cães
e o amor é uma janela
pela qual se pula:
atras nao existe chão.

O homem fala do amor
para o sol e o amor e uma
vida sem corpo atrás de si
para nao contagiar.

O homem cumprimenta vizinhos
que são, todos eles, eu, sem nada
a disfarçar a parecência.
Sua mão brilha sob o sol suas
pulseiras; seu rosto recolhe-se
à penumbra, depois u'a mão
fecha a janela.

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À ESPERA DE DEUS

À ESPERA DE DEUS

Com os olhos borbulhando
sem conseguir evitar olhar
espero, noite após noite
que Deus habite este lugar

Um Deus amplo, acolhedor
de braços longos e quentes
que abrigue toda essa gente
faiscando de pavor

O medo de estar vivo
O medo de estar sóbrio
O medo de mais um dia
o medo de todos os dias

Em tão rápido passar
apenas riscam a vida
Crendo-se sempiternos
correndo a coxia

Esperando Deus em sua chegada
fico, o parvo, observando
os homens pela madrugada
como tochas se apagando

O velho que puxa a carroça
A mulher que serve o café
A moça na janela do trem:
rosto emoldurado em ferro

Fumaça, sonhos e aço
eis a salvação
Todos à procura de abrigo
Aguardando revelação

Com seus instrumentos tortos
vão construindo suas certezas
Rolam dados em busca da sorte
que não os quer por consorte

Canso-me de esperar por Deus
Observando meu descrédito
ele sequer se ergue
quando meu coração se verga

Quatro cadeiras na casa
O homem se senta
separado do ser;
a razão e a emoção descansam

Na cama, apenas o corpo
peso, volume, massa
Guardado por seus apetrechos
sentados, insonos, de guarda

Sem êxtase, o gozo jorra
para que a vida tenha forma
Antes que o cansaço me vença
ofereço-me a Deus em oferenda.

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DISTINÇÕES

DISTINÇÕES

O poeta capitalista
Credicard Visa sobre a mesa
Procura pela rima
(que lhe saldará a dívida
contraída no shopping)
dentro da liberdade concedida.

O poeta socialista
Olho no Pravda sobre a cadeira
Considera suas rimas
Significante/significado obtido
Para não contrariar o partido
Dentro de toda sua liberdade permitida.

O poeta latino-americano
Fuzil ao alcance da mão
Atira rimas no papel
Como quem atira no inimigo-irmão:
Faz poesia não intervencionista
Implorando liberdade e vida.

O poeta brasileiro
Sentado na praça
Tira rima do nariz

Namorando a liberdade
Passeia pela cidade
Sem sobretudo, casaca, Sibéria, fuzil.

Com a matéria-prima da farta liberdade
Mãos dadas com a liberdade mais feliz
Faz poesia de graça.
Sem neurônios eficazes,
Tira rimas do nariz.

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O DONO DO POEMA

DONO DO POEMA

A POESIA
NÃO PODE
SER VISTA
COMO LETRA
COM VIDA

A POESIA
NÃO PODE
SER LIDA
COMO LETRA
PARA A VIDA

A POESIA
NÃO PODE
SER LIDA
POR OLHOS
SEM VIDA

A POESIA
É DE QUEM LÊ
QUEM ESCREVE
É INDEFESO OBJETO
MANIFESTO

Páginas

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