Minha Elis – Parte 1

Foto de João Victor Tavares Sampaio

O ano era 1996, para variar. Eu morava na favela com a minha família. Não havia muito o quê fazer. Na televisão, tinha a Xuxa, a Sandy, a Maria do Bairro, e, diferente das outras casas, na nossa elas não faziam muito sucesso. Nós recortávamos tudo aquilo que sabíamos que não tínhamos dinheiro para comprar, e colávamos num papel para pendurar no único armário da casa, de duas portas e metro e meio, pouco mais que uma fruteira. Mas a maior diversão não era essa. Meu pai fazia uma espécie de rádio de um hipermercado no centro da cidade. Quando havia alguma promoção, ele trazia o máximo de coisas possíveis para a gente. E também tinham os discos. Todos dele, material de apoio para o trabalho que apesar de desdenhar em certo ponto, ele fazia com competência extrema. Mas a realidade não era tão boa assim. Mas meu pai era bom no serviço, e sacana no lar. Quando eles se separaram, foi um alívio. Mas, com o litígio, perdi em certa medida a melhor parte da minha modesta, porém digna bagagem cultural. Meu pai é ator, tem como base da carreira o movimento da tropicália. Ouvíamos a MPB, como ela é rotulada, todos esses artistas consagrados, de Caetano a Gil, Raul a Tim, e principalmente Elis Regina. Minha mãe cantava quando nova e mesmo sem grandes lucros, chegou ao profissionalismo. Sempre vi a imagem da minha mãe relacionada com a de Elis Regina. Era como se uma existe em função da outra. Era assim, na época em que me dei por gente.

Com a separação, perdi o contato com a obra de Elis Regina. Minha mãe era reticente quanto ao resgate desse conteúdo; era momento de sobreviver, e não pensar em música. Mas Elis, no meu âmago, foi ganhando o status de lenda. Elis morreu em 1982. Evidente que a imprensa, sem material novo, já não dava a mesma repercussão ao trabalho da cantora. Eu queria Elis. Sempre quis Elis, com o perdão da rima fácil. Quanto menos tinha, mais queria. Volta e meia se preparava um programa especial de televisão ou rádio, e lá estava eu assistindo. Foi assim até 2008. Nessa época eu já trabalhava. Na internet, procurava músicas e dados biográficos de Elis. Não sou o maior seguidor de Elis Regina, nunca fui, mas não me ligo nisso. O que sabia era que a artista me fascinava e queria o máximo possível de informações dela.

Um dia, já em 2009, no caminho da minha escola encontrei um desses camelôs que vendem música pirateada. Estamos na era do MP3. Nunca me importei muito com compra de discos, até os falsificados são caros demais para meus parâmetros. Perguntei se tinha Elis. O gaiato me mostrou três discos, segundo ele, a coleção completa. Tinha tudo mesmo! E era por uns vinte reais. Desnecessário dizer, amigos, que duas semanas depois cometi o

que considero até hoje um “crime famélico”. Era isso, ou então empenhar tempo e esforço numa gigantesca extravagância financeira. Acreditem que não me arrependo nem um pouco com essa decisão.

Com a compra da discografia de Elis, vi que tinha adquirido também uma enxurrada de música brasileira de alta qualidade. Já escrevia, e influenciado pelos compositores que trabalharam com ela, tive um salto no teor das minhas criações. Percebi que Elis não era só sua música, era a história do meu país acontecendo diante da minha sensibilidade. Era questão de tempo até que fosse lembrada nos meus textos.

(Continua...)

Comentários

4
Foto de ALEXANDRA LOPUMO SILVA

João querido
lagrimas de dor e orgulho, saem do meu coração
tesouro precioso
perdão por tantas dores
mas elas viraram pérolas
te amo
alexandra

Alexandra

Foto de thiagosalgado

João, caí nesse blogue totalmente sem querer, indo de hyperlink para hyperlink por conta do ócio.
Estou embevecido, chapado e extremamente contente pelo conteúdo do material que li. Você tem MUITO talento. Ritmo na prosa, linguagem inteligente, lirismo bem colocado e não excessivo quando parte para a poesia.
Sensacional, é tudo o que posso dizer.
Seu ofício é ser escritor.
Mande abraços para o Felipe e lembranças à sua mãe.
Abraços e, incansavelmente, parabéns!
Thiago Raffael Tavares Sampaio Salgado

Foto de CarmenCecilia

CarmenCecilia

Emocionei-me muito.

Naveguei encantada nessa tua prosa...

Parabéns!

Abraços

Carmem Cecilia

PS: Também sou admiradora de Elis...

Em tempo:
Segue uma homenagem do amigo poeta JORGE LUIZ VARGAS

Saudades de Elis
(Jorge Luiz Vargas)

O carro anda, a vida corre. De repente uma canção que um ouvinte escolhe.
Ao ouvir então esta canção, o vento alegre me levou ao passado.
Saudades da "pimentinha" com muita emoção, fez-me revirar lembranças no meu coração.
Fez-me lembrar do bêbado trajando luto, e que os sonhos mais lindos sonhei. As águas de março vieram com tudo, na casa de campo com amor me encantei.
Um doce ser me tomou como um arrastão. Como tatuagem, ficaram fascinação e saudade de um anjo no céu de vibração, chamada Elis Regina da eternidade.
Cadê você que nunca deveria partir?
Atrás da porta me tomou em emoção, diz que fui por aí, pela estrada do sol. Aproveitei a noite do meu bem. Sou a tristeza que se foi a sorrir.
Como tristeza não tem fim, felicidade sim!...
A saudade me fez lembrar de alguém que tanto bem fez a mim. E comigo também choram de saudade de Elis: Marias e Clarices, Joões e Madalenas, Carolinas, Dinorahs, Rosas e Garotas de Ipanema. Chora a nossa pátria mãe gentil, por não acreditar que partiu a maior cantora do Brasil... Para mim

Elis Regina, minha homenagem e minha eterna saudade.

Boa tarde e um abraço!

JORGE LUIZ VARGAS

CarmenCecilia

Foto de João Victor Tavares Sampaio

Agradeço muito que tenha gostado do texto, bem como do lindo texto que me mandou e agora se coloca ao lado da singela homenagem à essa verdadeira artista.

Abraços!

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