Blog de Arnault L. D.

Foto de Arnault L. D.

Pedras da Lua

O amor, mesmo consumido
jamais torna-se em nada.
Ele muda o jeito sentido,
torna-se encanto de fada...

Doce a amargar a boca
e aos olhos úmidos brotar,
feito em tristeza; a concha oca
de ser, porém, não mais estar.

O amor está aonde ecoa,
o meu, está em mim, quiçá...
Em não sei está, se escoa,
nalgum lugar do tempo há.

Juntos no oculto, sob a lua,
ouço um eco assim dizer,
palavras doces da voz sua,
antes de tê-la e me esquecer.

Assim, espreito tal um voyer.
Vultos sentir qual foi sentindo,
com olhos da alma mister
reve-la fora ao mundo infindo

No intáctil ainda se ama...
Rir lágrimas secas, velho jogo.
No frio carvão, sopro chama,
logo se inflama e luz o fogo.

Ainda estou em mim guardado,
preservado onde fora aquém.
Tempo, ruas, vez fossilizado,
nas pedras que a memória tem.

Foto de Arnault L. D.

Música ( Por onde a canção caminha )

Ainda bem que tenho você,
ou a noite seria mais escura
e emergir no breu total
é o mesmo que não existir.
Coisa alguma se vê,
ninguém enxerga a nossa figura,
não há cor, distância, nada afinal.
Se confunde mesmo o existir...

Mas, pequena estrela dalgum lugar,
me dá norte, um cerne, visão,
ponto de fuga, perspectiva
para imaginar uma linha...
Uma alusão para aonde navegar;
e não dissolvo em dispersão.
Por um sinal nesta deriva,
por onde a canção caminha...

Foto de Arnault L. D.

Melhor assim

Olhar o velho amor
depois da história ida,
e perceber em paz
mesmo num tanto a dor,
que certo fez a vida...
e que não volta atrás.

Que foi melhor assim...

As coisas foram certas,
tudo foi a seu favor.
Percebo no sorriso,
foram horas incertas,
em que era meu amor,
que foi meu paraíso.

Mas, ainda o traz.

Estranho a tola alegria,
em ver que acertou,
ao escolher desvio
a rota em que eu cabia.
Todo mundo ganhou. ( ? )
Em a ver feliz, sorrio...

Quiçá, porque era amor...

A vida, talvez salvou
de sermos mais um erro,
de sê-lo e me culpar.
Trago a semente que secou
sem solo, em desterro,
vendo um jardim florar.

A um velho amor olhar.

Foto de Arnault L. D.

Ensimesmado

A luz de meu raciocínio
ilumina meus pensares atormentados,
não possuo o dom da loucura.
Apenas a consciência em domínio,
a vislumbrar, abismos revoltados
e deste mal não tenho cura.

A bebida não me embriaga,
apenas me faz doente e tonto.
Como alérgico, sei quem me ataca,
a minha própria natureza, a chaga,
que feri e a qual confronto
desde a longa primeira data.

Meus olhos vêem demais
e a surdez não me ronda...
Minhas réguas nas mãos, sem saída,
meço a alma que se perde entre ais,
palmeando a somar o que estronda:
A realidade trágica da vida.

Foto de Arnault L. D.

Pequeno mundo

Eis um pequeno mundo,
que para o menor parece enorme,
e um pequeno céu,
que a rã vê do fundo de um poço.
Relatividades, que confundo
enquanto a conveniência dorme,
enquanto é doce e não fel,
enquanto sou a rã do fosso...

O mundo de um é pequeno,
mas, é tudo que se tem.
Nas palavras, o todo cabe
como o tempo no relógio...
Mas, o ponteiro é mais ameno
que o impalpável do zen,
do muito que não se sabe,
o tudo que chamo, é só vestígio.

Foto de Arnault L. D.

A velha tapeçaria

O quadro continua ali,
quase que inalterado,
meus olhos são que mudaram.
Vêem nele, a passagem
das outras vistas que eu vi.
As memórias do passado
de coisas que acabaram,
mas, conviveram a imagem.

Extemporâneo que passa
vejo agora diferente,
as certezas das paisagens,
as verdades, transparentes,
que já a vista transpassa
e não reconhece a gente.
O tempo das engrenagens
que moem intermitentes...

Na tela a visão salvada,
amigas, familiares,
venturas de outra data
vem lembrar, de outro dia...
E degraus subo da escada
d’onde avisto velhos ares,
lugares que me refrata.
Díspar daqui... eu havia.

Foto de Arnault L. D.

Catavento

Ouça a canção do vento,
pelos poros, nos cabelos,
na pele em pelos fixos.
No frio, o gelo enfrento,
o som dos lobos, apelos,
uivos, ressoam prolixos...

Largo dos pensamentos
e bebo a canção.

Quero a mão fria do vento
acariciando o rosto,
mexendo ao desalinho.
Cura às dores, unguento,
ao fel um doce mosto,
em pouco, só carinho...

O estar sentir sozinho;
ouvir a canção...

E existir com ele, ser,
fazer parte na inércia.
Por todos os sentidos
o sopro a me envolver,
desfalecer a consciência,
eu e o vento resumidos.

Foto de Arnault L. D.

No fim dos dias

Eu sei que o amor está em mim,
quando a dor não faz correr,
quando mesmo me ferindo,
e abraça-la é dizer sim,
Digo. Contando com o sofrer,
sem razão de estar sorrindo.

Eu sei que o amor está em mim,
quando não me ponho a mover
e deixo a onda me encontrar.
E o tiro não é de festim,
a festa não vem socorrer,
e mesmo assim irei ficar.

Eu sei que o amor está em mim,
este amor, que esta em você,
Mesmo se não traga canto
quedo aqui, até o fim.
Não deixo margem para um “se”.
Estarei... enquanto encanto.

Eu sei que o amor está em mim,
mesmo que não lembre, serei,
sem dever voltar mais nada.
Não é para ganhos que vim.
Assim, mesmo fim, amarei.
Pois, sei... que me fez morada.

Foto de Arnault L. D.

A poeira do tempo

Ah, se esta chuva pudesse lavar
o pó que norteia a história,
levar as folhas mortas, a sujeira,
e entregar mais uma vez ao olhar,
a vista clara, que guarda a memória,
antes do opaco de toda poeira...

Foto de Arnault L. D.

Ícaro

Voa ave no cantar do vento,
em espirais, deixa-se levar...
aos caprichos que guia-lhe o ar
sobe a girar no firmamento.

Livre, como é de seu feitio,
o pássaro faz parte do ar.
Que abraça, a laços desatar,
o embala, longe, ao vazio.

O vazio, ao vôo nos convida
e em seus braços nos enleva,
ao planar, liberto da longeva
caminhada no chão desta vida.

E deste mesmo ar me completo,
a cada respirar nos confundo,
no sopro expiro o céu moribundo
deste voar que n’alma aquieto.

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